Em meio à animação com o anúncio de que teremos uma sequência de “Space Jam” ainda neste ano (25 anos depois do lançamento do filme original), algo passou meio batido. Além de trazer LeBron James para o papel principal, “Space Jam: um novo legado” teve outra mudança: uma baixa no time dos Looney Tunes. O gambá Pepe Le Pew foi cortado – do jogo e do filme.
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A decisão de sacá-lo foi anunciada pela Warner Bros. alguns dias depois da empresa divulgar novidades do filme, como fotos e sinopse. Agora se sabe que o personagem teve uma cena cortada e, aparentemente, está fora dos Looney Tunes por um tempo. A justificativa foi baseada em novas interpretações e críticas feitas a seu comportamento.
Pode parecer pouca coisa, mas é uma decisão sobre a qual vale certa reflexão. E ainda podemos aprender algo com ela.
Quem é Pepe Le Pew
Caso você não se lembre ou desconheça, Pepe é um personagem antigo da trupe. Criado nos anos 40, ele faz parte do time B dos Looney Tunes e foi aparecendo quase sempre como coadjuvante em desenhos, filmes, jogos e comerciais. Foi assim também no primeiro Space Jam.
Pepe é um gambá francês que tem como característica principal ser duplamente inconveniente: pelo mau cheiro e por seu comportamento com as fêmeas. Nos desenhos, ele está sempre atrás da gata Penélope. Por ser preta com uma faixa branca, ela lembra um gambá e ele acredita que por isso os dois são um casal perfeito.
A vida deles se resume a Pepe bolando emboscadas e truques para agarrar Penélope e beijá-la à força – embora acabe sempre apanhando.
Como era a cena deletada
Em “Space Jam: um novo legado”, o gambá faria algo parecido. Ele aparecia brevemente como o atendente de um café em que LeBron James e a modelo e atriz brasileira Greice Santo estavam. Tentando dar em cima dela, Pepe começava a beijar seus braços e acabava tomando um tapa de Greice.
Na sequência, em um diálogo com outros personagens, Pepe contava que Penélope tinha conseguido uma ordem de restrição contra ele (aquela medida judicial que impede alguém de chegar perto de outra pessoa). Em resposta, LeBron comentava que não é certo agarrar outras pessoas sem que elas permitam.
Os problemas de Pepe
No começo de março, Pepe foi mencionado em um artigo de opinião do jornal New York Times. No texto, o colunista Charles Blow propôs uma reflexão sobre livros, desenhos animados e outros produtos culturais que reforçam estereótipos, sobretudo racistas. Blow é negro e usou a própria infância como exemplo para defender que esse tipo de conteúdo passou para ele uma mensagem de que “tudo o que era branco era certo, bom, nobre e bonito; tudo o que era preto, o contrário”.
O corte do personagem de “Space Jam 2” foi revelado alguns dias depois da publicação do artigo do New York Times. Mas a Warner disse que a decisão aconteceu ainda em 2020. Afinal, a reflexão sobre o comportamento do personagem já existe há alguns anos.
Em 2017, um ensaio de de uma pesquisadora de filosofia e diversidade cultural chamada Amber George fez sucesso ao defender que o gambá é um mau exemplo por cometer diversas formas de assédio sexual, perseguição e abuso. Para a autora, ele reforça estereótipos de gênero que não fazem mais sentido nos dias atuais e reflete a violência que várias mulheres vivenciam diariamente.
O ponto principal de Blow e George é que Pepe Le Pew ajuda a perpetuar a cultura do estupro (um conjunto de comportamentos e estereótipos que normalizam a violência sexual). Ele faria isso ao transformar em algo engraçado agarrar uma mulher contra sua vontade, por exemplo – algo inaceitável em qualquer lugar. O que nos leva a uma boa questão: desenhos devem mostrar apenas um mundo ideal ou, considerando seu potencial educativo, devem mostrar comportamentos errados e explicar por que são assim?
Cancelar ou não Pepe Le Pew?
De acordo com o site Deadline, Greice preferia que a cena não tivesse sido deletada. Um representante da atriz disse que ela foi vítima de abuso sexual no passado e que a cena deveria ter sido mantida para que “meninas e meninos mais novos saibam que o comportamento de Pepe é inaceitável”.
Alguns dias depois, Linda Jones, filha do criador de Pepe Le Pew, Chuck Jones, também criticou a decisão em uma entrevista. Explicou que a brincadeira original com Pepe não foi feita para ser predatória e até sugeriu que o personagem fosse adaptado aos dias atuais para causar menos problemas. (Sua ideia era transformá-lo em um péssimo candidato a emprego que continua sendo rejeitado, mas pensa ser perfeito.)
Em um artigo publicado recentemente na Veja, contudo, o psiquiatra Fabio Barbirato faz um alerta. Em seu texto, explica que diversos estudos comprovam os efeitos nocivos da exposição de crianças e adolescentes a imagens e conteúdos com menções diretas ou indiretas a situações de sexo, violência, linguagem imprópria ou uso de drogas. É um período de formação muito importante, então qualquer influência pode marcar muito se não houver contrapartida.
Parece que estamos, então, diante de um impasse. Apenas cancelar um personagem pode até evitar um problema, mas também elimina um diálogo que seria importante. Ao mesmo tempo, manter suas atitudes, mesmo que inaceitáveis, não garante que quem estiver vendo vá achar aquilo errado ou aprender uma lição.
A única certeza é que a solução para isso não deve pintar antes de “Space Jam: um novo legado”. O filme tem estreia prevista para julho. E não terá Pepe Le Pew.
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