O que é “cultura do cancelamento” e como escapar dela

A "cultura do cancelamento" faz do cotidiano das redes sociais. Entenda o que é isso e saiba o que fazer se um dia você for "cancelado" ou "cancelador".

Fui cancelado, e agora?

O que é a tal cultura do cancelamento? Se você frequentou as redes sociais nos últimos anos ou viu TV recentemente, se deparou com gente sendo “cancelada” a torto e a direito. Mas o que é isso? O que é ser cancelado? Quem cancela?

Basicamente, um “cancelamento” acontece quando uma pessoa faz ou diz algo que ofende muitas outras. Essa ação é repercutida e compartilhada ao extremo nas redes sociais, onde mais pessoas ficam ofendidas. Forma-se um grupo enorme de gente ofendida para criticar e promover a anulação não só daquela ação/opinião, mas também da existência daquela pessoa como alguém publicamente relevante.

A partir daí, passa a se investigar o passado dessa pessoa, buscando outros motivos para sustentar as críticas. Conhecidos dela se posicionam, dizendo que não concordam com a ação/opinião. Caso haja marcas patrocinadoras relacionadas a ela, também seguem o mesmo caminho e se distanciam. Em muitos casos, empregadores decidem demiti-la. Ela passa a ser um exemplo negativo. Pronto, essa pessoa foi “cancelada”.

De onde veio a “cultura do cancelamento”

Esse tribunal virtual que conhecemos hoje como “cancelamento” não foi sempre assim. O “cancelamento” sempre existiu na internet, mas começou a fazer barulho principalmente metade da década passada como uma forma de denunciar e chamar a atenção para causas como abuso, justiça social e preservação ambiental.

O objetivo era forçar ações políticas de marcas ou figuras públicas relacionadas a temas importantes. Denunciar e fazer barulho em cima de alguém abusando sexualmente de outra pessoa, jogando lixo em local proibido ou sendo racista, por exemplo, era uma forma de garantir que as autoridades soubessem daqueles crimes sendo cometidos.

Com o tempo (e sobretudo no Brasil), o cancelamento foi sendo aplicado quase exclusivamente a personalidades públicas. Celebridades, pseudo celebridades, políticos e conhecidos em geral se tornaram os alvos preferidos. Mas se antes essas pessoas eram denunciadas de acordo com violações a leis e direitos, agora um grande leque de ações ou opiniões consideradas erradas passou a ser válido para que alguém seja julgado e cancelado por um grupo de pessoas nas redes sociais a velocidade recorde. Um cancelamento alimenta o outro e incentiva o próximo. A esse fenômeno, os especialistas em comportamento digital deram o nome de “cultura do cancelamento”.

Fui cancelado, e agora?

Os problemas do “cancelamento”

Para que alguém seja “cancelado”, é preciso que um grupo de “canceladores” defina o que essa pessoa fez de errado. Quando o certo e o errado não são baseados em leis ou instituições, corremos o risco de que uma denúncia que poderia gerar uma discussão pública séria e uma punição adequada (em um caso de preconceito, por exemplo), seja, em vez disso, construída sem diálogo e com o linchamento como única punição.

A consequência disso é que não se aprende nada com o “cancelamento”. A discussão sobre valores que deveria ser feita em conjunto se transforma em uma união de perseguições individualizadas dirigidas simultaneamente a alguém e motivadas por uma vontade de se sentir moralmente superior. O “cancelador”, enganado pelo prazer de estar certo, não reforça para a sociedade os valores que julga serem corretos (às vezes até os contraria). Por outro lado, assim que a memória de todos começa a falhar, o “cancelado” volta a agir sem que saibamos se ele mudou o não sua forma de pensar.

Será que posso ser cancelado?

Um dos efeitos da “cultura do cancelamento” é, ironicamente, diluir a importância de críticas e denúncias válidas em meio à perseguição. Então uma boa forma de evitar cair nisso é saber separar: nem todas as críticas são “cancelamentos” e ser criticado é um tipo de feedback importante de quem está a sua volta para que você possa refletir e corrigir erros.

É impossível saber quando a internet vai se voltar contra uma pessoa, mas você pode e deve saber lidar com críticas. Se você fez ou falou algo que ofendeu alguém, peça desculpas. Converse e tente entender o ponto de vista de quem se sentiu ofendido. Se for o caso, explique que você sequer sabia que estava falando ou fazendo algo ofensivo e agradeça o toque.

E lembre-se: quem tem razão não é quem fala mais alto. É quem consegue de fato entender que podemos começar a discutir questões relacionadas a racismo e outros preconceitos de uma forma nova, direta e abrangente.

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Felipe Blumen
Felipe Blumen

Historiador, jornalista de lifestyle e fã de foguetes, Corinthians, gibis e outras bagunças.

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