Antes de formar (e dar) sua opinião, informe-se e deforme-se

Entender o processo mental que define as posições que tomamos é fundamental para mudar e deixar de fazer tudo errado

Entender o processo mental que define as posições que tomamos é fundamental para mudar e deixar de fazer tudo errado

O ano de 2014 foi difícil. Eleições, Copa do Mundo, escândalos. Um prato cheio para a geração da internet, que tem uma opinião a dar sobre tudo. Todo esse material de debate levantou uma horda de haters e diálogos (?) infindos nas redes sociais. Mas… e daí?

Qual será o resultado prático de todo esse barulho? Infelizmente não há um algoritmo capaz de medir como essas discussões auxiliaram as pessoas a tomar ou mudar de opinião, mas basta ser um bom espectador para perceber que parece continuar tudo na mesma. No fim, uma boa lição a se tirar disso é: da próxima vez é melhor ficar calado.

E não são poucos os que chegaram a essa conclusão. Mais que o desejo de debater, o que ficou claro em 2014 foi o apego das pessoas a seus valores, crenças e postura. Essa paixão foi a responsável pelo baixo nível da discussão digital e pelo crescente desinteresse em usar a web para falar de assuntos relevantes.

No entanto, permanecendo o desejo de dar sua opinião, as pessoas vão resumindo as grandes questões do mundo a tirinhas e memes. Pequenas provocações e indiretas a darmos àqueles que não pensam como nós. Para reverter esse cenário de subutilização da internet, vamos lá. 

Contemple o cinza, onde nem tudo é preto ou branco

Antes de formar (e dar) sua opinião, informe-se e deforme-se


Entre o silêncio total ou a defesa fervorosa da sua opinião, existe um espaço agradável ocupado por aqueles que não estão interessados em odiar pessoas ou impor ideias. Muitos continuam bastante apaixonados pelo que acreditam, mas ainda assim dispostos a usar o raciocínio no lugar do grito.

Para isso é preciso definir um ponto de perspectiva bem distante do nosso próprio ou daqueles que não pensam como nós. Entender que a diversidade entre uma raça com 7 bilhões de indivíduos não é nada demais. O budismo tibetano, por exemplo, acredita no sepultamento celestial, onde em vez de enterrarem seus mortos os servem de alimento às aves. Uma forma de dar utilidade a um corpo sem alma. Prática que por aqui seria abominável, se não criminosa.

Obter perspectiva é igualmente importante para nos desapegarmos das nossas âncoras. As “verdades” sob as quais nos apoiamos. Pensar antes de falar é não se ofender com a diversidade, com a discordância daquilo que achamos correto. A partir do momento que nos ofendemos, obstruímos nossos olhos com o desejo de sobrepor a opinião de nosso “inimigo”. 

O que te define como pessoa. As prisões que nos impedem de mudar de ideia

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Religiosos se manifestam contra o aborto, agnósticos são contra a doutrinação religiosa nas escolas. Evidentemente existem exceções mas é notório que assim pensa a maioria. E isso tem uma razão. O que nós somos, ou como nos afirmamos perante os demais, está diretamente ligado à forma como pensamos e as posições que tomamos nas questões do dia a dia. Parece uma ideia óbvia, mas suas implicações são subestimadas.

Porquê, afinal de contas, tem de ser assim? Porque é que o contexto em que nos formamos como indivíduo precisa ter tanto domínio sobre a modo como pensamos? Um ótimo exercício seria nos imaginarmos crescendo em um contexto totalmente diferente e tentarmos descobrir que tipo de pessoas seríamos. Se eu tivesse nascido no Irã, seria muçulmano? Se tivesse passado fome, deixaria meus valores de lado e roubaria? Conseguir respostas contundentes é praticamente impossível.

Entre os que considero melhores vídeos do Porta dos Fundos, essa questão é abordada de forma provocativa. E se Deus, tal como ele é, não é conhecido por quase ninguém? E se Deus não é o de Abrahão, de Maomé ou qualquer outra grande religião? No fim, acreditamos no que acreditamos, mas isso não significa que estejamos certos. E aos que acreditam no deus da ciência, não se vangloriem também, pois esse é o único Deus que admite por si só que a qualquer momento suas maiores verdades podem cair por terra.

Entendendo isso, fica mais fácil entender que cada opinião, inclusive as nossas, tem a ver com o ambiente onde crescemos ou estamos. Com o estilo de vida que temos e, sim, com as pessoas com quem nos relacionamos. Ter essa consciência é importante no processo de aceitação da diversidade.

Antes de apedrejar aqueles que não pensam como nós, vale entender o contexto que os levou a pensar de tal forma e, melhor que isso, passar a entender como eles nos enxergam. Praticar essa visão empática é um bom primeiro passo para nos desprendermos dos nossos próprios dogmas e abrirmos a cabeça para novas possibilidades. 

Eu sou assim! A muleta de valores da qual dependemos

Muitos professores já me disseram que preferem ensinar crianças pequenas, dizendo que são jarros vazios prontos para serem preenchidos com conhecimento. Entre os mais velhos, não é difícil encontrar aqueles a quem todas as novas tecnologias digitais são estranhas. A razão disso vai além do comodismo ou da perda de habilidade.

Por instinto nós, seres humanos, temos no nosso DNA o eterno desejo de buscar estabilidade. Como qualquer animal, queremos garantir alimento para nós e para nossos filhos todos os dias. E não só. Por sermos mais complexos que os demais animais, buscamos também uma estabilidade moral e ética.

Ao longo da vida, temos a necessidade inerente de definir o que acreditamos ser a forma certa de viver. Um conjunto de regras, opiniões e símbolos que formem uma espécie de Manual da vida. Na minha visão, o motivo disso é o medo crescente de, já mais velhos, descobrirmos que fizemos escolhas e tomamos atitudes baseados em valores ou crenças errados.

O medo de admitir o erro, a derrota, faz com que nos apeguemos cada dia mais ao que acreditamos ser o correto. Esse apego então começa a nos engessar e é por isso que ao longo da vida nos tornamos menos maleáveis, resistentes a novas informações. Não queremos abandonar nossos hábitos.

O problema que naturalmente decorre dessa nossa paixão pelos próprios valores é a cegueira que ela causa-nos em relação ao diferente e também às mudanças do contexto em que vivemos. Na velocidade com que o mundo se transforma hoje em dia, o que parece certo aos nossos vinte anos, dificilmente será exatamente igual aos sessenta ou setenta. A mutação implacável da nossa realidade nos deixa duas escolhas: abrir a mente a novas possibilidades ou morrermos abraçados com nossos valiosos valores. 

Formando opinião. Deixando as muletas para dar os primeiros passos

Se vamos dar nossa opinião, porque não dizer algo que valha ser dito? Algo que não se resuma à mera defesa de nosso estilo de vida, de nosso contexto social, ou da nossa própria personalidade?

Se sabemos que todas nossas opiniões são fortemente influenciadas pelo nosso próprio mundo, aquele que construímos ao nosso redor, como buscar isenção? Como formar um pensamento um pouco mais independente dessas amarras que construímos? A resposta é simples, a execução nem tanto.

Critique. Duvide de si mesmo em absolutamente todos os momentos. E não se preocupe, isso não é sinal de falta de confiança. Pelo contrário, é preciso fé em si mesmo para estar disposto a abandonar os próprios valores. Se te perguntarem sobre religião, política, futebol, não forme sua opinião por ser evangélico ou ateu, por ter ou não dinheiro, por ser paulista ou nordestino. Não dê sua opinião por ser Flamenguista ou Paysandu.

Se pergunte: Se eu não fosse religioso, pensaria exatamente como penso agora? Se eu tivesse boas condições de vida? Se eu vivesse na Indonésia? Se eu fosse muçulmano? Faz realmente sentido para mim ou é algo tão intrínseco à minha realidade que deixei de me questionar?

Qualquer discussão ou debate só tem sentido se todas as partes estiverem dispostas a conhecer uma perspectiva diferente sobre um mesmo problema. Do contrário é só barulho. Assim como na física, existe aqui a lei da “Ação e Reação”. Se a única meta é impor sobre os demais um ponto de vista, a única coisa que essa força de imposição vai gerar é uma força igual de resistência. É uma pena pensarmos em quantas pessoas se fecharam à possibilidade de mudar de ideia por pura teimosia, resistindo à argumentação prepotente de seus opostos. 

Melhore a qualidade do seu raciocínio (Ou pense antes de falar)

Nunca é demais dizer. Antes de opinar, informe-se. A qualidade do debate digital também tem sofrido diante o conteúdo que as pessoas têm a oferecer. Em tempos como os nossos, todos nos sentimos de certa forma obrigação de termos opinião sobre todos os assuntos. Uma matéria do Kibe Loco mostra com maestria que, infelizmente, produzimos mais barulho do que ideias.

 

Texto escrito por Fred Palladino. Jornalista por formação e acumulador de funções por escolha. Gosto especial por sociologia, amigos e cerveja.

 

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Colaboradores MHM
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