Desconstruir uma obra ou um gênero narrativo é, resumidamente, pegar um objeto e analisá-lo ou representá-lo com uma abordagem que questione seu significado. Fazer isso com super-heróis, por exemplo, requer subverter concepções pré-existentes ou contrariar expectativas estruturais desse gênero. Em outras palavras, mostrar que o herói não é só o cara bonzinho que salva a cidade no fim do dia – ele pode ser mau, fraco, egoísta, depressivo, paranoico, inseguro, etc.
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Nas histórias em quadrinhos, séries e filmes que desconstroem os super-heróis, a desconstrução envolve um olhar cínico para os personagens, destacando suas falhas e mergulhando em sua ambiguidade moral – e, às vezes, deixando clara suas imoralidade e amoralidade.
Muita gente já fez isso e continua fazendo em diferentes formatos. Já foi febre nas HQs, depois virou moda no cinema produzir filmes sombrios de super-heróis e agora temos séries dedicadas exclusivamente a isso. Se você gosta desse estilo capa no divã e de encarar supers como humanos frágeis e vulneráveis, aqui vão algumas obras essenciais.
“Watchmen”
A ideia de começar uma lista destas já pelo melhor exemplo é simples: se você tiver que conhecer apenas um dos filmes/séries/HQs contidos aqui, tem que ser “Watchmen”. A série de quadrinhos escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons no fim dos anos 80 inventou a desconstrução de super-heróis da maneira que a conhecemos hoje.
A história mostra com sarcasmo, ironia e violência uma sociedade em que vigilantes mascarados realmente fizeram parte da história americana. Embora Moore tenha explorado a desconstrução do gênero antes, em “Miracleman” e “Monstro do Pântano” (também recomendáveis), Watchmen foi a primeira vez em que se viu super-heróis apresentados como pessoas com tantos traumas e distúrbios psicológicos.
A série lançada pela HBO em 2019 é uma sequência da história contada nos quadrinhos. Consegue manter boa parte da proposta original de Moore, adaptando certos temas para a sociedade contemporânea e apresentando novos personagens igualmente complexos. Há ainda um filme, de 2009, mas bastante dispensável.
“The Boys”
O que aconteceria se super-heróis fossem não apenas reais, mas também personalidades políticas e midiáticas geridas por uma megacorporação inescrupulosa? Some a isso ótimos atores, um bom roteiro e muito sangue e você tem explicado o sucesso de “The Boys”.
A série produzida pelo Amazon Prime Video foi inspirada nos quadrinhos de mesmo nome criados por Garth Ennis e Darick Robertson. Mas é quase um consenso entre fãs do gênero que a série ficou ainda melhor que as HQs. Tem as mesmas essência e violência, mas com mais foco.
“Invencível”
A série animada lançada em 2021 pelo Amazon Prime Video adapta os quadrinhos criado por Robert Kirkman (o mesmo criador de The Walkind Dead). Conta a história de um jovem que está desenvolvendo superpoderes e tenta lidar com isso da melhor maneira possível, equilibrando seus problemas na escola com a relação com o pai – um tipo de Superman genérico e de bigode.
Não é 100% uma desconstrução do gênero – em muitos momentos é mais uma homenagem – mas tem vários dos atrativos que fazem outras obras desta lista tão queridos. Destaque para o elenco, que conta com ótimas dublagens de Steven Yeun, Sandra Oh e JK Simmons, entre outros.
“Batman – O Cavaleiro das Trevas”
Na mesma época que Alan Moore estava emplacando Watchmen, Frank Miller escreveu e desenhou outra série de quadrinhos imortalizada no gênero da desconstrução de super-heróis. “Batman – O Cavaleiro das Trevas” mostra um Bruce Wayne já aposentado tentando voltar à ativa depois de velho.
Miller apresenta seu Batman como um vigilante violento, rancoroso e sem escrúpulos – quase fascista. É dele que vem a cena clássica do Homem-Morcego dando uma surra no Super-Homem, depois adaptada ao cinema por Zack Snyder em “Batman vs Superman: A Origem da Justiça“.
Universo DC nas mãos de Zack Snyder
Você pode achar tudo que ele faz horrível, mas Zack Snyder é indiscutivelmente um cara dedicado à desconstrução de super-heróis. Sua série de adaptações de histórias em quadrinhos (“300”, “Watchmen” e todo o arco Liga da Justiça) explora as terríveis implicações existenciais de “metahumanos” vivendo em um mundo “normal”.
É tudo muito dark, com personagens sombrios, cenários sombrios e roteiros sombrios. Muitas das críticas que Snyder recebe apontam sua desconstrução como caricatural e pasteurizada, mas não deixa de ser um exercício do gênero.
“Jessica Jones”
Quando a Marvel começou a fazer sucesso e roubar leitores da DC Comics, a justificativa resumida para isso era mais ou menos assim: super-heróis como Batman e Super-Homem eram muito sisudos e intocáveis, enquanto Homem-Aranha cia. tinham problemas reais como insegurança, relacionamentos e aluguel, o que permitia mais identificação dos leitores. Boa parte dos heróis Marvel, portanto, já passou por abordagens de desconstrução. Um bom exemplo disso é a série de Jessica Jones.
A primeira temporada da produção, feita pela Netflix, apresenta a protagonista como uma detetive depressiva com amnésia e superpoderes, que tenta recuperar memórias do passado enquanto lida com diversas crises de ansiedade. Como tudo na Marvel, acaba tendo seu arco de redenção tradicional, mas não deixa de ser uma personagem interessante e divertida do ponto de vista de suas falhas e imperfeições.
“Corpo Fechado”
Antes de que isso fosse moda, o diretor queridinho de Hollywood M. Night Shyamalan deu sua contribuição à desconstrução de super-heróis. Em “Corpo Fechado”, ele mostra a história de origem de um super-herói que não usa capa nem disfarce e a todo tempo se questiona se o que está vivendo é verdade. A trama ganhou depois outros dois filmes, “Fragmentado” e “Vidro”. A trilogia questiona até onde iriam pessoas com poderes especiais num mundo real (e dentro de suas próprias cabeças).
“Umbrella Academy”
Um grupo de órfãos criados desde o berço para serem uma equipe de super-heróis, mas que acabam virando adultos traumatizados e paranoicos das piores maneiras possíveis. Esse é o pano de fundo dos quadrinhos escritos por Gerard Way e ilustrados pelo brasileiro Gabriel Bá. A Netflix lançou em 2019 uma adaptação da série para o streaming, que já conta com duas temporadas. Os dois formatos exploram temas como paternidade tóxica, racismo, depressão e brutalidade policial, entre outros. Fazem parecer que crescer um super-herói pode ser a pior coisa do mundo.
“Heroes”
Talvez uma das primeiras produções a ganhar o mainstream de maneira razoavelmente leve ao desconstruir o conceito de super-herói. A série de meados dos anos 2000 conta a história de pessoas comuns que passam a ter superpoderes e precisam entender como conviver com isso vivendo em sociedade. Os episódios apresentam histórias mais simples e independentes, que formam um pano de fundo para uma trama mais global.
“Homem-Animal”
Há quem compare o escritor de quadrinhos Grant Morrison a Alan Moore (o que é discutível) e isso vem muito de seu trabalho em “Homem-Animal”. Na série de quadrinhos publicada também no fim dos anos 80, Morrison e o desenhista Chas Truog construíram e desconstruíram não só a persona de seu personagem (um super-herói que sabe que é fictício e brinca com isso), mas também todo universo em volta dele. A série incorpora temas filosóficos e existenciais em um nível muito mais metalinguístico do que “Watchmen”, por exemplo.
“Os Incríveis”
Anos antes dos super-heróis virarem astros do cinema com a Marvel ou de Zack Snyder começar a dar seus pulos na área, a Pixar apresentou sua própria versão da desconstrução do gênero em “Os Incríveis“. Na trama, uma antiga dupla de heróis, agora casados e pais de três filhos, tenta (e não consegue) viver uma vida familiar simples e normal.
Além de uma história bonitinha sobre afeto e responsabilidade, o filme apresenta várias questões psicológicas que estão presentes em narrativas de heróis famosos: a dificuldade em ter uma família, como saber a hora de parar, etc.
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