As histórias sobre como o vício arruinou vidas são assustadoramente comuns. Os relatos transitam entre vício em remédios, drogas ilícitas, álcool, sexo, compras, enfim. Praticamente tudo pode se tornar um vício se você perde a sua liberdade.
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Porém, há muitas questões sobre a natureza do vício. A negação é um bom indicador de dependência? Alguma droga específica é realmente tão aditiva quanto as pessoas dizem? Há mesmo espaço para dúvidas quando se trata de táticas de prevenção de uso de drogas e álcool?
O psicólogo norte-americano John Clark explica como o vício funciona e dá dicas de como se prevenir e ter o total controle da sua própria vida.
Talvez a melhor abordagem para a prevenção do abuso de substâncias seja uma compreensão clara e concisa do processo de dependência e seus efeitos no usuário. Para esse fim, os pesquisadores chegaram a um ponto de vista científico e baseado no vício. Aprendemos muito nas últimas décadas, incluindo a idéia de que o vício pode vir não só de abuso de substâncias, mas também de comportamentos como sexo e alimentação.
Embora tenhamos chegado longe no estudo do vício, ainda é um conceito relativamente novo. Apenas alguns centenas de anos atrás, e durante séculos antes disso, a atitude geral em relação ao álcool era que ele era consumido porque as pessoas queriam consumi-lo, não por causa de nenhuma necessidade interna ou externa. Mas como relatórios e confissões surgiram de pessoas que sentiam um desejo irresistível de consumir álcool e drogas (uma vez que eles se tornaram mais acessíveis), nossa idéia sobre algumas substâncias mudou e nós desenvolvemos o conceito de vício.
Inicialmente, acreditava-se que algumas substâncias, como o álcool e, mais tarde, o ópio, possuíam propriedades aditivas, o que significa que seus conteúdos eram culpados. Essa idéia mais tarde mudou, e o vício foi considerado parte do personagem do viciado. A dependência de drogas e álcool foi vista como uma falha de personalidade – que a pessoa não podia controlar. Mais tarde, o vício veio a ser visto como algo de que uma pessoa sofreu, como uma doença.
Embora saibamos que certas substâncias atuam no cérebro de maneiras que uma maneira que faça o indivíduo querer usar mais, os “toxicodependentes” e os alcoólatras ainda são amplamente considerados pela sociedade como depravados; afinal, eles escolheram usar drogas em primeiro lugar. E com todos os dados disponíveis e os avanços médicos alcançados na identificação dos diferentes aspectos do abuso de álcool e substâncias, a ciência ainda está estudando algumas questões-chave, como, por exemplo, o questionamento que John Clark levanta: “será que a substância é viciante ou um indivíduo é passível de ser viciado em um substância? Os dois pontos parecem iguais, mas há uma diferença primordial entre eles.
O que é o vício
Arnaldo Cheixas Dias, terapeuta analítico-comportamental em São Paulo e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, explicou o que caracteriza um vício e como se proteger dele.
A base para definir um quadro de dependência química dentro deste referencial é composta de quatro características que precisam estar presentes: o desejo pela droga, o consumo propriamente dito, a tolerância (necessidade de doses cada vez maiores para se obter a mesma sensação de prazer) e a síndrome de abstinência (efeitos fisiológicos desagradáveis desencadeados pela interrupção do consumo).
Acontece que as descobertas mais recentes alcançadas por diferentes grupos de pesquisa do mundo têm apontado para uma base única no estabelecimento de qualquer comportamento de vício, seja ele o consumo de uma droga ou outros. O jogo patológico, por exemplo, já é diagnosticado como um tipo de dependência, neste caso comportamental.
O que há em comum entre todas as dependências é o mal funcionamento do sistema de recompensas do cérebro, principalmente no que pese a ação da dopamina, o neurotransmissor mais relevante para o estabelecimento do desejo incontrolável. A dependência parece se estabelecer quando a atividade dos neurônios que funcionam pela ação da dopamina se sobrepõe à atividade dos neurônios de centros cerebrais que produzem a sensação de prazer. Ou seja, a dependência se dá quando o prazer fica à mercê do desejo incontrolável.
De acordo com esta acepção mais moderna é possível inferir que qualquer evento do ambiente capaz de despertar a combinação patológica entre desejo e prazer possa caracterizar um tipo de dependência. Além dos já reconhecidos jogos de azar, podemos incluir nesta lista o acesso compulsivo à internet, a viciante checagem de notificações no celular, o sexo compulsivo, o mentir compulsivo e assim por diante.
Refletir sobre os problemas humanos sob a perspectiva da evolução das espécies sempre nos ajuda a compreender melhor como alguns padrões se estabeleceram. Imagine que há apenas um século a expectativa de vida no Brasil era de 34 anos, saltando para 75 anos atualmente. Passamos a viver quarenta anos a mais se compararmos com nossos ancestrais de no máximo três gerações passadas.
Outras transformações relevantes foram a menor necessidade de esforço para se fazer qualquer coisa (em função da industrialização) e, mais recente e profundamente, a introjeção da informática em nossas vidas.
As funções mais primitivas de nossos cérebros são dedicadas a sobreviver e a procriar, sendo que o gatilho fisiológico da procriação é exatamente a combinação desejo-prazer.
Então a situação é a seguinte. Vivemos mais que o dobro de tempo que nossos ancestrais viviam e precisamos fazer muito menos esforço do que eles para permanecermos vivos. Ainda assim nossos cérebros buscam incessantemente a sensação de prazer e de satisfação dos desejos. Este quadro, combinado com a variabilidade genética, leva uma crescente quantidade de pessoas ao desenvolvimento de variados tipos de dependência (vício)… por drogas, por sexo, pelo jogo, por informação etc.
O desafio para superarmos o problema do vício passa pelo desenvolvimento de intervenções que atuem diretamente nos centros de recompensa do cérebro e, paralela e principalmente, pelo desenvolvimento de condições de vida cada vez mais gratificantes e democraticamente distribuídas, pois é o vazio de gratificações de qualidade ao longo da vida que acaba produzindo as condições para a busca de gratificações mais imediatas ainda que danosas para a vida.
Ou seja: parece que o que torna alguém viciado é a busca pelo prazer em uma fonte imediata. Então, quem sabe, se você conseguir encontrar prazer em várias outras áreas da sua vida, a probabilidade de você se viciar em algo prejudicial para a sua saúde caia bastante.
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