O ronco ensurdecedor dos motores V8, o cheiro de óleo e pneu queimado, a equipe agitada nos boxes e a bela presença de modelos femininas anunciam: a Stock Car portou mais uma vez na pequena cidade de Santa Cruz do Sul (RS).
Eu, que apenas assistia da TV as corridas de Fórmula 1 nos anos 90 e início de 2000, e andava meio desolado com o automobilismo, fui convidado pela equipe da Schin Racing Team para conhecer e acompanhar de perto a quarta etapa do maior campeonato brasileiro de automobilismo.
Além de quebrar preconceitos, conhecer personalidades únicas durante os quatro dias, pude realmente ver como uma competição de automobilismo funciona. Abaixo segue a experiência em que passei.
O campeonato
Nunca acompanhei a Stock Car Brasil, mas gostei bastante do formato em que a competição é feita, de forma equilibrada e que possibilita chances a todas as equipes. Ela foi criada em 1979 e seu nome fazia referência à categoria homônima muito famosa nos Estados Unidos. Com 34 carros no grid, o campeonato é disputado em 12 etapas, percorrendo quatro estados brasileiros (mais o Distrito Federal).
A categoria conta com etapas de corridas duplas e tem uma prova na qual os pilotos correrão junto de pilotos convidados. A partir de 2008, a competição passou a contar com uma prova especial no final da temporada, de duração maior que as demais, com a premiação de R$ 1 milhão, e o dobro dos pontos das etapas normais.
Os carros
Desde o início, a intenção dos organizadores da Stock Car sempre foi minimizar os custos e equilibrar os desempenhos, tornando o evento muito mais competitivo. Assim, os carros foram preparados ou construídos de maneira similar todos esses anos.
No começo da Stock car, os carros usados para a competição eram os de rua mesmo, como o Opala e o Omega, acrescido de uma gaiola de proteção (Santo Antônio). A partir dos anos 2000, chegou a concepção de chassis tubulares, ou seja, um carro totalmente montado.
Atualmente, somente um tipo de pneu é fornecido e todos usam os famosos motores V8. Apesar do logo das montadoras Peugeot e Chevrolet estarem estampados nos veículos das equipes, nada dos carros de rua estão nos bólidos que aceleram nas pistas.
Assim, um carro da Stock Car possui cerca de 15 mil peças, com 90% desse material importado. Para quem pensa que é barato entrar na competição, cada bólido tem um custo médio de R$ 1,2 milhão. Já pensou no sofrimento a cada batida?
“Com pneus e motores iguais, você tem que fazer o máximo para deixar seus carros mais competitivos. Nesta hora, são os pequenos ajustes que contam”, assume Carlos Alves, chefe de equipe da Schin Racing Team.
Voando na pista
É impossível ficar indiferente depois de ouvir um ronco de um motor V8 perto de você. Você sente o coração palpitar mais rápido, a adrenalina disparar e acaba apaixonando-se pelo inconfundível barulho.
Tive essa reflexão depois que fiz duas voltas no circuito ao lado do piloto Rafa Matos, da Schin Racing Team. Quando você está a bordo do bólido em alta velocidade, seu centro de gravidade vai para qualquer lugar, menos onde deveria estar. No final das voltas, eu que simplesmente acompanhei no circuito, suava horrores e sentia uma tensão absurda.
Rotina
Na terça-feira pré competição, as equipes chegam ao autódromo para iniciar a montagem do circo da Stock Car. De acordo com o piloto Felipe Lapenna, da Schin Racing, é na quarta que os trabalhos começam para os pilotos, só que na frente da TV e computadores.
“Estudamos muito a câmera onboard dos anos anteriores (câmera que grava toda a corrida do piloto). Fazemos análise de curva a curva para chegar na prova bem preparado”.
Na quinta os pilotos fazem o chamado track walk, percorrendo à pé o traçado da pista. Durante o percurso, feito com os engenheiros das equipes, eles conhecem o estado da pista, a sinalização, pontos fortes e fracos e a partes sujas para se evitar.
Sexta é dia de treino livre, momento de afinar o carro, sentir a performance do carro, onde está ganhando e perdendo tempo e pensar nas estratégias para a prova. Sábado acontecem os treinos livres e classificatórios e a prova é, enfim, realizada no domingo.
A equipe
“A integração dos engenheiros com os pilotos é vital para o bom desempenho da equipe. Considero que 50% da performance do carro se deve a sinergia entre os dois”, aponta o piloto Rafa Matos.
E ele tem muita razão. Apesar de preparar os bólidos, a equipe precisa que o piloto passe o que ele sente ao dirigir o carro, quais são as dificuldades ou barulhos aparentes. Além disso, o veículo conta com um computador que registra em gráfico a performance do carro durante as voltas. Cabe ao piloto entender os gráficos e comparar com o que está sentindo dentro do auto.
É a partir dessas informações que os engenheiros e mecânicos promovem os ajustes.
O piloto
Foi-se o tempo em que pilotos agiam como James Hunt no filme Rush, entregando-se a festas, bebidas e mulheres antes de uma prova. Com a necessidade de absorver mais informações sobre a prova e montar uma estratégia vitoriosa, o tempo em que não estão estudando a pista, dentro do carro ou em eventos para promover a competição, descansam, concentram-se e preparam-se para a etapa.
“Todo atleta dá tanto empenho para conquistar o lugar mais alto do pódio que é uma mistura de gratificação e alívio quando isso acontece. Porque você está sempre em uma pressão muito grande de patrocinadores e equipe. Mas a maior pressão é a que o piloto coloca sobre si próprio. Quando você ganha, a sensação é de alegria e alívio, como se você tivesse tirado um macaco das suas costas”, revela Rafa Matos, que conquistou sua primeira vitória na Stock Car em 2014.
Sobre a experiência
No final das contas, o resultado da corrida em si pode ser até importante financeiramente para as equipes proporcionar boas oportunidades para os pilotos. Mas isso é apenas a ponta do iceberg.
O que me fez virar um torcedor e encarnar o espírito do automobilismo nesses quatro dias foram a dedicação, o espírito de equipe, companheirismo e a relação familiar que o evento promove.
Uma corrida de automobilismo é uma baita lição sobre persistência, concentração e entrega. E isso, não há lugar no pódio que possa caber.
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