Você provavelmente conhece alguém que não conhece o próprio pai – ou que cresceu sem contato algum com ele. Nesse cenário, quantas pessoas você conhece que foram vítimas do abandono paterno?
- Veja mais sobre os estudos envolvendo o abandono paterno
- Você já ouviu falar de masculinidade tóxica?
- Já parou para pensar na razão pela qual tantos artistas estão tirando a própria vida?
Em 2013, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) apontou que 5,5 milhões de crianças brasileiras não possuem o nome do pai registrado na certidão de nascimento. Entre todos os estados do país, o Rio de Janeiro foi o primeiro da lista.
Veja nosso vídeo sobre abandono paterno
Segundo outros dados colhidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2015, o Brasil ganhou mais de 1 milhão de famílias compostas por mãe solo, em um período de dez anos.
Só no Estado de São Paulo, há 750 mil pessoas, de 0 a 30 anos, sem o nome do pai no registro, de acordo com dados do governo estadual.
As consequências do abandono paterno para o psicológico
Thaís Perico, advogada especializada em assessoria para mulheres e sócia do escritório Lima Perico Sociedade de Advogadas, de São Paulo, disse, em entrevista para a Abril, que os efeitos psicológicos do abandono paterno podem durar a vida inteira:
“Os prejuízos vão muito além do nome que não consta na certidão. O abandono material acarreta sérias consequências na subsistência da criança, que depende só da mãe para ser provida. No entanto, a longo prazo, o abandono afetivo acarreta traumas que jamais serão mensurados, já que a ausência paterna pode trazer inúmeros danos psicológicos”, ressalta.
Para o psicólogo Marcelo Neumann, entrevistado pelo jornal Diário de S.Paulo, a falta do registro paterno não é o pior dos males; mas o abandono material, o abandono intelectual e o abandono afetivo, sim.
As consequências do abandono paterno para uma pessoa, segundo o psicólogo, são várias: “Há uma série de consequências, já que a criança fica à margem. Ela é diferente das outras pessoas e isso acarreta um comportamento diferente. Ela pode passar a ser agressiva, sentir insônia, apresentar dificuldades para aprender e até sua alimentação pode mudar. Isso é algo preocupante, pois os responsáveis pela criança precisam entender o que está acontecendo, pois ela é um ser totalmente dependente”.
É claro que há exceções para a regra, e muitas vezes a falta de um pai não acarreta consequências negativas no futuro da criança.
Porém, vale explicar que o maior problema não é a ausência paterna, que pode ser causada por inúmeros problemas como, por exemplo, a morte. O problema, segundo os médicos, é a sensação de abandono, o sentimento de rejeição gerado pelo descaso do pai.
Campanhas sociais contra o abandono paterno
“O abandono paterno precisa ser olhado com mais atenção”, diz o promotor de Justiça Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, da Promotoria de São Bernardo do Campo.
“Vivemos uma epidemia social”, ressalta. Por isso ele foi o responsável pela criação do serviço de “reconhecimento e investigação de paternidade”.
Ao lado do balcão de informações do Poupatempo de Itaquera, em São Paulo, há o inscrito “Encontre seu pai aqui.”.
O anúncio é parte da divulgação do serviço gratuito de “reconhecimento e investigação de paternidade”, que pode ser encontrado em todas as unidades do órgão estadual. O objetivo é reverter os altos índices de abandono paterno e registros “incompletos”.
“Fiz um levantamento e chegamos a uma estimativa de 10 mil crianças matriculadas, sem o nome do pai na certidão”, recorda. “Isso é um exército. ” Ele decidiu, então, criar mutirões de atendimento nos colégios. A iniciativa não aconteceu exatamente como o planejado.
“As crianças começaram a ser expostas e a sofrerem bullying por isso. Todo mundo sabia que, naquele dia, só estariam presentes os colegas sem pai”, conta o promotor para o portal Uol.
“Transferi o atendimento para a promotoria em dias específicos. Só que a procura foi muito baixa por falta de disponibilidade ou dificuldade de deslocamento.”
Por isso, desde 2017, o serviço encontra-se fixo nas unidades de Poupatempo, inclusive nas do interior do estado.
“E acabei descobrindo que, enquanto eu me concentrava nas crianças, a maior procura vinha de adultos. Eles correspondem a 60% do público.”
O restante diz respeito a mães de menores de idade e pais que querem reconhecer o filho e não o fizeram por algum motivo, como distância, desconhecimento ou até atraso.
O reconhecimento paterno e a nossa construção social
Maximiliano, agora já avô, sente uma satisfação pessoal desde o início do projeto. “A gente nunca se acostuma, é sempre emocionante”, diz para o Uol.
“No início, eu tinha apenas uma visão de promotor. Pensava que ter o nome do pai na certidão servia apenas para pedir a pensão. Descobri com o tempo, porém, que a transformação interna provocada pelo reconhecimento é muito maior. O nome do pai faz parte da história da pessoa.”
O ser humano, segundo ele, é “um animal que conta histórias”. “Por isso, acredito que o reconhecimento paterno faz parte da nossa construção social. A falta do pai é um fantasma que acompanha a pessoa por toda a vida. Afinal, é uma fração de humanidade que está sendo negada ao indivíduo.”
Abandono afetivo pode virar crime
Em 2016, o projeto do Senado que torna crime o abandono afetivo – o que acontece quando o pai ou a mãe age com indiferença em relação aos filhos – foi enviado para votação na Câmara.
A votação ainda não foi realizada mas, caso o projeto se torne lei, o pai ou a mãe que deixar de prestar assistência emocional aos filhos, seja pela convivência ou visitação periódica, poderá ter que pagar indenização por dano moral.
Mas não espere o abandono se tornar crime para mudar seu jeito de pensar, afinal, um filho não se faz sozinho.
Comentários
Importante - Os comentários realizados nesse artigo são de inteira responsabilidade do autor (você), antes de expressar sua opinião sobre temas sensíveis, leia nossos termos de uso