Com quem você fala quando não tem mais ninguém para conversar? A pesquisa “O Silêncio dos Homens”, de 2019, revelou que 6 em cada 10 homens afirmam sofrer de um distúrbio emocional. Mesmo assim, 70% deles não têm coragem de falar com seus amigos sobre seus maiores medos.
A maior parte dos homens, aprende desde cedo que não pode demonstrar fraqueza. Tem que estar sempre no controle e não pode mostrar o menor sinal de insegurança. Mas o que você faz quando tem alguma dúvida sobre a vida, o universo e tudo mais?
Há quase dez anos o meu trabalho é esse: conversar com homens. sobre o que eles não se sentem à vontade para falar com mais ninguém.
A ideia surgiu em 2011. Tinha acabado de me formar na faculdade. Eu estava infeliz com aquele sentimento de ser um “pós adolescente”. Queria me sentir o que eu entendia na época ser “homem de verdade”. Fui procurar informações em revistas e descobri que nenhuma falava exatamente comigo.
Ou elas eram 100% voltadas para os meninos ricos, focadas em um estilo de vida que eu jamais poderia pagar, ou estavam mais preocupadas com fotos eróticas do que qualquer conteúdo. Já na internet, existiam alguns poucos blogs que apenas publicavam piadas homofóbicas e machistas.
Foi quando eu resolvi criar um espaço para conversar com caras que nem eu. Assim nasceu o Manual do Homem Moderno. A ideia era criar um conteúdo sincero de homem para homem, sem julgamento, sem lugares comuns, sem machismo, sem preconceitos…
De lá pra cá, alguns dos meus vídeos já passaram de milhões de visualizações. Entre eles “Como deixar a barba crescer” , “como cuidar de dinheiro” e, claro, “como fazer sexo pela primeira vez”.
Em todos eles, a metodologia é simples: um papo sem julgamento. Um espaço aberto para falar sobre coisas da vida, de sentimentos, inseguranças ou relacionamento. Assuntos que nem sempre são bem vindos nas rodas de conversas de homens. Sem respostas simples. Sem cair no clichê de ditar uma regra do que um homem deveria ou não fazer para ser mais homem.
Somos simples, didáticos, descomplicados e descontraídos. Esquece esse papo de macho alfa. De ser frio e calculista. Se dá pra levar um conteúdo com leveza, a gente leva. Para que o cara se sinta à vontade para falar com a gente. De ter conversas que ele jamais teve pessoalmente. Diariamente a gente recebe dezenas de mensagens de tudo quando é tipo de dúvida.
Existe um conteúdo em especial que toca muitos homens. É uma série de vídeos que fiz sobre término de relacionamentos.
É muito comum, quando você é homem e sai de um relacionamento, ouvir coisas como “vai pegar umas minas”, “sai para beber que passa” ou “o tempo cura tudo”. Respostas que mesmo que bem intencionadas não ajudam a amenizar a dor de um cara que não sabe lidar direito com a rejeição e a dor da perda. Não sabe lidar com seus próprios sentimentos.
Só que nessa série de vídeos eu quis ir um pouco além. Falar sobre a importância de chorar. A importância de guardar um momento pra ficar na sua e entender a sua dor. De abraçar aquele luto como parte da vida – todos nós terminamos relacionamentos uma hora ou outra – e tentar seguir, sem rancor, sem mágoas. Sem tentar mostrar pro mundo que você tá saindo por cima, mas sim tentar cuidar de você. Por dentro. Algo que ninguém me ensinou quando era mais novo.
Conforme o projeto cresceu, eu envelheci com ele. Eu criei o Manual com 25 anos, hoje tenho 34. Essa passagem de tempo afetou a nossa audiência também. O que começou como um papo de amigo para amigo começou a tomar um tom diferente, e logo reparei que parte do nosso público era mais jovem até mesmo do que eu quando criei o projeto.
A gente está falando com uma nova geração que está começando a experimentar o que a gente já viveu. Cheio de dúvidas, eles caem no nosso conteúdo para responder as perguntas que eles não tem para quem perguntar ou até mesmo não sabem se podem perguntar para alguém
Um exemplo disso é a fimose. Tenho dois vídeos sobre o tema que juntos somam quase 2 milhões de visualizações. Após a publicação de ambos, recebemos uma série de depoimentos de jovens que fizeram a operação de fimose porque se identificaram com a condição após assistir ao vídeo.
Algo que um pai deveria detectar na primeira infância, mas não detectou. Algo que o próprio jovem deveria entender do próprio corpo na adolescência, mas não encontrou apoio para isso. Foi necessário um estranho na internet para ajudar com essa questão tão íntima.
Ai você me questiona: como é que alguém se sente à vontade para abrir detalhes da sua vida com um estranho na internet? Acontece que, por muitas vezes, os homens se sentem mais confortáveis de falar com alguém que não conhecem do que com uma pessoa de seus círculos mais íntimos. Muito disso começa em casa, com o próprio pai.
Lembro que a conversa mais complexa de sexo que tive com o meu pai foi um dia que ele entrou no meu quarto, jogou uma camisinha no meu colo e falou “se você engravidar alguém, te mato”. Eu tinha 15 anos. Tirando duas ou três aulas de anatomia na escola, isso foi tudo que me ensinaram sobre sexo. O resto tive que aprender na vida. Sem muito apoio de ninguém.
Também não posso culpar meu pai, já que ele cresceu sem pai. Como ensinar um filho se você não teve referência? E ele, infelizmente, não é um caso isolado.
De acordo um estudo do Ipea, 12 milhões de mães não têm um parceiro para ajudar na criação dos filhos. Segundo dados do Registro Civil, a cada ano, 6% das crianças nascidas no Brasil são registradas sem o pai na certidão. O Brasil é um país sem pais.
Na Copa de Mundo de 2018, a seleção brasileira entrou em campo com 6 dos 11 titulares com essa característica em comum. Gabriel Jesus, Miranda, Thiago Silva, Marcelo, Casemiro e Paulinho cresceram sem o suporte do pai biológico. Uma realidade comum no país do futebol é crescer sem um referencial masculino dentro de casa.
Homens são ensinados que precisam estar constantemente no poder. Logo, você ter uma dúvida sobre relacionamento, trabalho ou sobre o seu corpo, é um absurdo em alguns círculos. Isso piora quando estamos falando de adolescentes.
Você chega na adolescência completamente perdido. Seu corpo muda, sua cabeça muda, seus desejos mudam e muitas vezes, mesmo tendo um pai em casa, como eu tive, você não tem uma rede de apoio para te ajudar em muitas questões.
Para quem perguntar algo quando você tem medo de virar motivo de piada? Como contar uma dor quando todo mundo espera que você seja invencível? Muitos meninos no Brasil nunca tiveram uma conversa que tivesse uma resposta mais complexa do que apenas o clichê: “vira homem” .
Para quem não encontra respostas na escola ou dentro de casa, a internet é o único lugar onde eles vão fazer as perguntas. Ai que surgem os problemas.
Pelo menos 90% dos meninos e 60% das meninas vão assistir pornografia antes do 18 anos. Para quem não tem referência nenhuma, o que está na tela se torna realidade. Se a escola ou sua casa não oferecem educação, o pornô virou educação sexual. Que é praticamente a mesma coisa de você dizer que aprendeu a dirigir só porque viu todos os filmes do Velozes e Furiosos.
Uma das maiores dúvidas que recebo de meninos é exatamente sobre o próprio pênis: É pequeno demais, será que meu namorado ou namorada vai gostar?
E veja bem, apesar de eu ter anos de trabalho na profissão, eu ainda sou um estranho na internet. Um adolescente prefere perguntar para um estranho na internet uma dúvida sobre o próprio corpo do que para o pai dentro de casa. E nem todo mundo na internet tem o mesmo padrão de ética que eu tenho.
Nos últimos anos, temos visto crescer cada vez mais movimentos negacionistas, misóginos, e extremistas. Todos com base muito forte em fóruns e grupos em redes sociais frequentados por milhares de jovens todos os dias. Eles se aproveitam da necessidade de pertencimento e dessa vulnerabilidade para vender ideias tortas.
Se queremos que nossos filhos cresçam como homens saudáveis e parem de reproduzir comportamentos de riscos, não só temos que estar por perto, temos que estar presentes. Ir além do lugar comum de achar que a escola vai educar nossos jovens e entender quais são suas dores e medos.
Lembrar que a gente já foi jovem, já esteve naquela posição vulnerável e tudo que a gente queria era ser ouvido, não julgado. Quantos pais não tão delegando a educação dos filhos a tablets e celulares? A algoritmos de busca.
Temos que abrir diálogos com homens. Entender o que está por trás de cada dor e oferecer os mecanismos suficientes para eles lidarem com isso. Ensinar que, mais do que violência, homens podem se expressar através de inteligência. A serem honestos com suas dores e seus sentimentos.
Boa parte das pautas dos vídeos que eu produzo hoje surgem das conversas que eu queria ter tido anos atrás, mas não tinha ninguém lá para falar comigo. Ou a resposta era pura e simplesmente: vira homem.
Se a gente não abrir essa linha de diálogo estaremos entregando eles de bandeja para continuarem confiando suas dúvidas e anseios a estranhos. E podem acreditar, nem sempre o resultado da busca vai ser positivo.
A minha pergunta agora: Será que você é alguém com quem um homem pode conversar?
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