Ultimamente eu tenho recebido mensagens, principalmente de mulheres, sugerindo temas que elas gostariam que eu abordasse, um deles me chamou particularmente atenção essa semana. Ela elogiou meu trabalho, e escreveu em seguida, e eu vou resumir: “qual era minha percepção sobre homens que curtem muitas fotos de bundas e peitos.” Ela segue dizendo “Não sei porque, mas isso acaba fragilizando a relação”. Sim, isso fragiliza a relação, mas evidencia um problema muito maior, que é a pedagogia afetiva.
Você deve estar se perguntando o que tem a ver pedagogia afetiva com o fato de homens terem uma certa obsessão por fotos de mulheres seminuas, como se houvesse uma obrigação em dar o like, ou olhar. Para entender isso, nós precisamos entender como as mulheres são criadas, dentro dessa performance do que é ser mulher. Culturalmente, a mulher é levada, desde os filmes de princesas, novelas e filmes, até os comentários que ouve em casa, que não existe nada tão incrível quanto ser escolhida por um homem.
É uma validação de feminilidade ser escolhida por um homem, a mulher solteira é sempre a que ficou para “titia”, a solteirona, sempre em um tom de fracasso. Não é só ser escolhida por uma pessoa que valida a feminilidade, mas também a maternidade, que será um tema futuro. Ou seja, se as mulheres são subjetivadas assim, existem dois caminhos lógicos: se eu quero ser amada, eu faço de tudo para ser o destaque e para ser o destaque, eu preciso derrubar as outras mulheres, aqui se origina a competição feminina.
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Muitas vezes ser esse destaque, estar sempre bonita, deixa de ser algo natural e vira uma obrigação, com ela mesma. Quem nunca ouviu a frase “a pessoa só não é bonita por falta de dinheiro”, isso pode até se aplicar aos homens, mas nos lembra que estamos em um país que tem recorde de plásticas, por exemplo. O ideal estético é totalmente ligado com o que o homem considera como belo: a mulher magra, seios grandes, bunda grande, branca e loira. Isso muda de tempos em tempos, mudando aparências femininas.
Este é um efeito brutal do machismo, que muitas vezes parece normalizado e não deveria ser. Se socialmente a mulher é subjetivada para ser escolhida, o like, o comentário funciona como uma validação do homem, a feminilidade dessa mulher. O homem, nessa posição de privilégio, como avaliador, define quem é aceito e quem não é. Essa dinâmica protege o homem, porque se tem uma coisa que o homem não passa é por solidão afetiva, tampouco por julgamento estético. Isso nem sequer é uma preocupação.
Quanto mais longe a mulher está do padrão de avaliação masculino, ela possivelmente será preterida, ou seja, não será considerada como uma mulher para se relacionar, e inclusive para ter relações sexuais, estamos falando de mulheres negras, mulheres gordas, mulheres mais velhas, e essa lista segue. Existe uma piada recorrente atualmente que é “eu sou uma mulher bonita e gostosa e estou chorando por um feio”. Se apaixonar por um feio é bem comum, visto que é só preciso uma gentileza para o feio, virar um doce.
É claro que uma gentileza é pouco, eu exagero para mostrar que, nós homens damos tão pouco em uma relação, somos tão pobres afetivamente, que um homem gentil vira um príncipe, e infelizmente, a maioria desses caras são sedutores, não são gentis de verdade, mas fingem para conseguir o que querem. Ser escolhida é uma realização, e isso é tão explícito que as mulheres se doam mais em uma relação, abdicam de carreiras, sonhos e objetivos em prol do homem, porque, inconscientemente, ela realizou o seu.
Nós homens nunca abdicamos de nada, são raros os que o fazem. Além de poder seguir sua própria vida, ainda tem a grande possibilidade de ter uma mulher do seu lado que fará de tudo para te fazer chegar lá. Isso brutaliza o psicológico da mulher, que muitas vezes dentro de seu próprio silêncio, guarda grande sofrimento, de cada erro do parceiro, de cada entrega, e de não receber nem a metade em troca. O homem poder dar likes por aí, seja em rede social, seja na rua, definindo quem é bela e quem não é, é só a ponta do iceberg.
Está incluso aí quantas mulheres incríveis deixaram de ser engenheiras, médicas, porque a ideologia machista ensinou que a sua maior realização era um homem. Esse texto não é um julgamento as mulheres que escolhem expor seus corpos, o problema é o olhar masculino que sempre vai objetificar, e operações psicológicas e sociais que podem estar por trás do que faz as mulheres se subjetivarem para serem escolhidas. Isso protege a nossa sanidade, serve ao nosso prazer, em troca do adoecimento e morte dessas mulheres.
► Texto de João Luiz Marques. Escritor, pesquisador da psicologia da masculinidade e questões raciais e academicista de psicologia.
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