Na última terça-feira, dia 19, o Ministério da Saúde afirmou que um comprimido que reduz significativamente as chances de contrair o HIV será incluído na lista de medicamentos gratuitos do SUS. Sim: estamos falando sério.
Se a medida realmente for tomada, o Brasil será o primeiro país que adotou uma política pública de prevenção do tipo – algo que condiz com o histórico de combate à AIDS por aqui, afinal, o Brasil foi o primeiro país que quebrou a patente de um medicamento utilizado no tratamento da doença.
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Quem liberou a informação sobre a pílula que previne HIV foi a Adele Benzaken, diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do ministério, durante a 21ª Conferência Internacional de Aids, na África do Sul. Depois, a informação foi confirmada pelo Ministério da Saúde.
Mas a ideia não é tão nova assim: o Ministério da Saúde havia anunciado que esse mesmo medicamento faria parte da rede pública de saúde no início de 2016. Porém, isso não aconteceu.
Em julho de 2015, as equipes de infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Centro de Referência e Treinamento em AIDS – SP, comemoram os primeiros resultados do estudo do Prep Brasil, estratégia que investe no uso de um comprimido por dia para prevenir a infecção. O projeto avaliou a aceitação da Profilaxia Pré Exposição em cerca de 500 voluntários, homens gays e mulheres transexuais, recrutados desde 2014 nas duas maiores cidades do país.
De acordo com Ricardo Vasconcelos, médico infectologista da USP, nenhum dos voluntários que não usaram camisinha mas tomaram o medicamento diariamente foram infectados com o vírus.
Sobre o medicamento
O nome comercial da pílula é Truvada e ela é usada com profilaxia pré-exposição, uma estratégia que usa medicamentos na prevenção da infecção em pacientes ainda não contaminados.
Segundo as projeções do iPrEx, principal estudo que mediu a eficácia da pílula, o medicamento é capaz de diminuir em até 92% a chance de se contrair HIV se for tomado todos os dias. É lógico, os efeitos colaterais existem e são variados: tontura, dor de cabeça e enjoo são apenas alguns deles.
Veja como o medicamento funciona:
- A contaminação com HIV acontece quando o vírus penetra nas células usando através de uma enzima chamada transcriptase reversa.
- O Truvada ataca principalmente os linfócitos T-CD4, células importantes para o sistema imunológico.
- O remédio bloqueia a transcriptase reversa. Dessa forma, o vírus encontra dificuldade para penetrar no corpo e não consegue se multiplicar.
- O Truvada também ajuda a aumentar o número de células CD4.
Nenhum país do mundo inclui o Truvada em sua política pública de saúde. Nos Estados Unidos, na Tailândia e na Malásia, o uso do remédio já foi liberado, mas o fármaco é vendido e não distribuído pela rede pública.
Quem poderá tomar
Não é qualquer pessoa que pode ou deve tomar a pílula que previne o HIV. A OMS (Organização Mundial de Saúde) indica o uso para os homens homossexuais e bissexuais, usuários de drogas injetáveis, profissionais do sexo e outras pessoas que tenham maior risco de contágio.
Lembrando: os homossexuais são citados porque no sexo anal, a chance do passivo contrair o vírus em uma relação desprotegida é sete vezes maior que nos ativos. Isso acontece porque o atrito é maior, facilitando o aparecimento de fissuras e aumentando o risco de transmissão. O mesmo vale para mulheres que praticam o sexo anal.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou: “o remédio deverá ser ofertado em serviços para populações com risco acrescido, como travestis, homens que fazem sexo com homens, transexuais e profissionais do sexo”. A estimativa do órgão é de que 10 mil pessoas tenham acesso ao medicamento no primeiro ano.
O perigo de incentivar relações desprotegidas
Apesar da eficácia do medicamento ser comprovada, muito se discute sobre o impacto dessa medida no comportamento da população. Muitos pesquisadores se preocupam com a possibilidade dos usuários da Truvada deixarem a camisinha de lado por conta do medicamento.
Apesar da preocupação ser justificável, os grupos que já fazem uso do comprimido não apresentaram mudança alguma de comportamento: dados coletados em 2013 pelo iPrEx apontam que as pessoas que tomam o Truvada não pararam de se proteger.
Porém, outro estudo, realizado em 2015 por Jonathan E. Volk, pesquisador do Kaiser Permanente San Francisco Medical Center, nos EUA, descobriu uma tendência de queda no uso de camisinha. O pesquisador, porém, garantiu que os dados são inconclusivos porque não houve grupo de controle – um método científico necessário para isolar e confirmar os efeitos de uma experiência.
O iPrEx estudou a eficácia do Truvada durante três anos com 2.500 homens homossexuais em seis países, incluindo o Brasil. Esse estudo mostrou que o importante é tomar o medicamento por longos períodos: quanto maior a regularidade, maior a taxa de proteção.
O jornal NEXO publicou um mapa divulgado pela OMS com os lugares onde os estudos foram realizados e a eficácia do medicamento foi confirmada:
Em 2015, Fábio Mesquita, do Ministério da Saúde, declarou para o jornal O Globo: “Estamos fazendo estudos de aceitabilidade dos usuários e do funcionamento no SUS para incorporar na política pública”.
Os médicos acreditam na importância do medicamento principalmente quando analisam a quantidade de pessoas que recorrem ao coquetel antiviral: “Pessoas que têm muitos parceiros e dificuldades de não se colocar em risco acabam recorrendo muitas vezes à PEP (Profilaxia Pós-Exposição). A indicação para eles seria um tratamento preventivo”, afirma o infectologista Ralcyon Teixeira, do Hospital Emílio Ribas.
Vale lembrar: órgãos oficiais no mundo todo destacam que o Truvada não pode ser usado como um substituto da camisinha, já que ela previne várias outras DSTs.
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