A manchete é direta e chocante para quem nunca participou no mundo universitário: Em competição de bebida, estudante de engenharia, de 23 anos, morre após consumo de 28 doses de vodka, e outros cinco universitários foram para o hospital de coma alcoólico pela brincadeira.
+ Quando eu organizava festas da faculdade
Com exceção da morte em si, se você for um cara que já circulou por este meio, sabe muito bem que o limite entre dar tudo certo ou a coisa desandar por causa de brincadeiras alcoólicas é absurdamente mínimo neste meio, onde garotos e garotas querem, cada vez mais, provarem que são adultos e independentes, para isso, agem como crianças sem pais.
Foi esta notícia que levou a minha reflexão: a final, de quem é a culpa pela tragédia final: do bêbado ou dos organizadores? Desculpe-me falar, mas todos carregamos parcela de culpa por isso ocorrer. Explico.
O incentivo às bebidas vem de berço
Apesar da legislação permitir que apenas os maiores de 18 anos possam consumir bebidas alcoólicas, não é difícil ver que a maioria de seus amigos iniciaram no álcool na adolescência. Segundo uma pesquisa feita pela Unifesp, o início se dá aos 15 anos, em média.
Escondido depois da escola, em casas de amigos, ou festinhas, tem sempre alguém disposto a mostrar sua coragem e aparecer com um destilado ou fermentado para todos.
Isso sem contar com seu pai ou tios que, ainda crianças, insistem em fazer os pequenos ingerirem doces de cerveja e álcool para provar a ‘macheza’.
Assim como era o cigarro tempos atrás, beber nesta época virou símbolo de rebeldia, de mostrar-se adulto e independente. Mas, não basta beber, é preciso chegar ao limite do seu corpo (ou, muitas vezes, ultrapassá-lo). ‘Encher a cara’, ‘sair carregado’ são termos usados à exaustão (eu mesmo já usei-os trocentas vezes) para aqueles que querem transformar aquele momento em especial.
Só que ultrapassando o domínio do próprio corpo, o resultando é totalmente diferente do pensado. Quem tomou todas acaba deixando de curtir o momento, fazendo com que seus amigos cuidem de você, bêbado, e não é difícil o rolê acabar no hospital, banheiro alheio ou com o sermão do pai no dia seguinte.
O bullying para quem não bebe
Consumo bebidas alcoólicas desde os 17 anos e nunca tinha me atentado a isso. Foi em uma conversa no viber que o meu bróder Le Bravo levantou um ponto importante. Já perceberam como nesses rolês o fato de você beber torna-o um pária dentro do grupo.
Não basta você optar, por qualquer motivo que seja, por não ingerir álcool. Você precisa justificar a N pessoas, de todas as formas possíveis, porque não gosta de cerveja, vinho, ou qualquer destilado. “Você não curte o rolê quanto a gente!”, “Que chato você é!”, pois para o bebedor, você só pode ter sua personalidade própria se ela vir segurando uma latinha que aponte algum teor alcoólico.
(Momento de reflexão para você pensar quantas vezes julgou alguém que bebe)
O orgulho do PT
Não sei se por sadismo, por se considerar transgressor, mas conheço (e você também conhece) muitas pessoas que tem orgulho dos PT’s que já cometeram.
Para elas, perda momentânea de memória, parar na cama de alguém que nunca ouviu falar na vida, causar uma briga sem sentido, ser expulso da balada, destruir o carro embriagado e sobreviver sem nenhuma sequela grave são situações dignas de condecorações como se fossem medalhas de honra ao mérito.
Você realmente vê sentido em arriscar sua vida e a vida dos outros por causa de alguns copos a mais e para mostrar o quanto é ‘foda’?
Teoria da Manada
Teoria da Manada, ou da Onda, diz que um grupo, levado pela opinião da maioria, é capaz de fazer com que todos tomem tal atitude, atitude esta vista com reprovação pela maioria, se estivesse solitária.
Leve essa teoria para o grupo de amigos, um grupo de torcedores ou mesmo um grupo universitário. Não é difícil imaginar quantas ‘merdas’ acontecem simplesmente porque alguns seguem a empolgação e o pensamento da maioria do grupo. Brigas, brincadeiras idiotas e consumo excessivo de álcool são alguns resultados.
Edson já revelou de maneira muito boa como funciona a organização de jogos universitários. O limite entre um evento memorável e algo trágico é curtíssimo, basta alguém transpor este linear, em um grupo de milhares, e a coisa desanda.
No caso da manchete, é claro que promover uma competição de quem bebe mais não teria como dar bem, no final das contas. Olha que ainda considerando a embriaguez como o menor dos males.
Mas, pense, quantas e quantas vezes brincadeiras como esta foram incentivadas no seu grupo de amigos? Quantos porres você já teve e quantos você ajudou a passar, fazendo-o vomitar, levando a pessoa para casa ou parando no hospital, no meio da madrugada?
O que quero dizer, afinal
Longe de pregar a proibição do consumo de bebidas alcoólicas. Sou sommelier de cervejas, trabalho com bebidas alcoólicas e não poderia ser idiota ao ponto de pregar isso. Mas, talvez tenha passado da hora de pregarmos um consumo realmente consciente desse tipo de bebidas.
O tal lema das cervejas especiais: Beba menos, beba melhor, poderia ser encampado por todos aqueles que se preocupam com um consumo responsável. Aqueles que querem diminuir os acidentes de trânsito por ingestão de álcool, e pelos organizadores de festas de faculdade em prol de uma brincadeira mais saudável e sem vítimas fatais.
Não adianta você ler a manchete no começo desta página e apontar, julgar e sentenciar os culpados. Se você já ficou bêbado, se já incentivou alguém a fazer com você ou mesmo viu uma situação dessa e não fez nada, tenha certeza que a morte desse jovem tem um dedo seu. Afinal, somos todos culpados.
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