Existem regras, normais imprescindíveis de conduta e segurança nos locais de trabalho.
Se esses regulamentos explícitos, vistorias e monitoramento de funcionários em fábricas e nas linhas de produção, de fato, são vigentes, por que ainda acontecem tantas mortes, muitas vezes veladas, dentro das empresas?
Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, acontecem, anualmente, 270 milhões de acidentes de trabalho em todo o mundo. Aproximadamente 2,2 milhões deles acabam em mortes.
No Brasil, segundo esse mesmo relatório, são 1,3 milhão de casos e, no ranking mundial divulgado em maio deste ano, nosso país ocupa a quarta posição, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos e Rússia.
Muitas dessas mortes são causadas pelo descumprimento das normas básicas de proteção aos trabalhadores e pelas más condições nos ambientes e rotina de trabalho.
Em ambas as causas, é necessário discutir como funciona o fluxo de trabalho e entender qual é a causa primária do descuido secundário.
Pelo menos sete brasileiros não voltam para a casa depois de um dia de trabalho porque morreram realizando suas atividades diárias. Então, de quem a culpa?
Más condições de trabalho
Grandes empresas podem seguir as normas sobre condições de trabalho e, por isso, na vistoria periódica realizada em suas instalações, nada de errado é encontrado. Porém, muitas dessas empresas terceirizam seus serviços e, nesse processo, recolhem produtos produzidos por outras empresas que, muitas vezes, não seguem as normas especificadas na lei.
Um documentário realizado pela ONG Repórter Brasil relata as condições cruéis de trabalho em frigoríficos ao redor do país: são seis segundos para desossar uma peça de frango, mais de três mil peças por hora em cada esteira. Dezoito movimentos a cada quinze segundos.
Uma carga de trabalho três vezes superior à recomendada como limite.
Essa é apenas uma das denúncias apontadas ao longo da pesquisa realizada pelos jornalistas, e remete a outro problema que pode ser uma das causa de tantos acidentes.
A necessidade de produzir mais em menos tempo
Nesse mesmo documentário, funcionários apontam a necessidade de produzir mais em pouco tempo. Uma ex-funcionária, afastada do trabalho por lesões irremediáveis, afirmou: “quanto mais tu dava conta, mais queriam”.
As metas impostas pelos empregadores são desumanas e, quando o funcionário não consegue alcançá-las, ele recebe uma cota extra de atividades, e muitas vezes passa a madrugada inteira na esteira de corte.
Imagine uma cobrança dessas em uma fábrica com equipamentos ainda mais nocivos? Quando tomamos conhecimento sobre algum acidente onde o trabalhador arriscou sua própria vida burlando sistemas de segurança, precisamos pensar em qual situação financeira e em qual pressão ele se encontrava.
Por exemplo: um trabalhador morreu pois, para produzir mais rápido e alcançar a meta imposta, colocou uma fita adesiva sobre um dos dois botões de uma máquina de corte. Para a máquina funcionar, ambos precisavam estar apertados e, por isso, o trabalhador ficaria com as mãos ocupadas e nunca perto da lâmina.
Buscando alcançar a meta, esse trabalhador manteve um dos botões acionados constantemente e, para produzir mais, adicionava os produtos com velocidade e mantinha sua mão perto do objeto cortante.
É claro, existem exceções, mas o dia a dia do peão é bem diferente do dia a dia no escritório.
O efeito dominó começa desde cedo: pouca educação, pouca instrução. Sistema público defeituoso, falta de conhecimento sobre seus direitos e condições de trabalho, falta de capacitação para uma carreira de qualidade e, consequentemente, a necessidade de trabalhar horas à fio em condições degradantes.
Reflexo social
O homem, principalmente aquele de baixa escolaridade e inserido em um ambiente hostil, cresce em uma sociedade que o cobra constantemente sobre seu papel de “homem”.
Um “homem” precisa ser forte, não pode ter medo, não deve ter inseguranças, precisa mostrar para todos que é “homem” e, por isso, não pode ter frescuras. Um “homem” precisa ser bruto.
Quando um eletricista ou um peão de obra pensa: “não preciso dessa luva agora, eu faço rápido”, ou “isso é frescura, meu pai trabalhava sem todas essas coisas e nunca aconteceu nada com ele”, ele está colocando a própria vida em risco e, mesmo sem perceber, sendo vítima hereditária de conceitos e preconceitos internos.
Em um Trabalho de Conclusão de Curso para a Fundação Oswaldo Cruz desenvolvido pela estudante Tânia da Silva Barbosa, uma pesquisa com funcionários de uma fábrica mostrou que “a expressão frescura aparece nos diálogos do grupo”.
Analisando desta forma, não devemos repensar como repassamos, mesmo inconscientemente, conceitos perigosos para a nossa sociedade?
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