Às vezes, acreditamos que o mundo da pornografia é um universo paralelo. Podemos seguir atrizes no Instagram, observar suas vidas no Snapchat e até enviar mensagens para elas no Twitter, mas fazemos isso com poucas e, inclusive, são poucas as pessoas que sequer sabem os nomes das atrizes pelas quais dedicam minutos intensos de seus dias.
Por quanto tempo aquela atriz – que não te conquistou o suficiente para você lembrar o nome ou procurá-la no Instagram – ficou na indústria? Como ela foi parar lá, como a vida dela seguiu depois de largar o pornô, como ela é tratada na rua e como foi tratada pelos estúdios?
Caso você se interesse pelo menos um pouco pelo segmento para já ter visto entrevistas com as maiores atrizes e produtores, já deve ter ouvido falar sobre empoderamento da mulher nesse segmento, sobre o intenso trabalho de auto-confiança e descoberta sexual na rotina de várias delas. Muitas, inclusive, ressaltam como elas mudaram de vida, como aprenderam a se amar mais e explorar seu corpo de formas diferentes com a segurança de uma indústria para ampará-la.
Mas e as desconhecidas? As atrizes cujo nome você esqueceu? As atrizes sem os devidos créditos nos sites de streaming, sem stand em feiras de pornografia, sem livros nas livrarias?
Você já parou para pensar nelas? Será que elas entram no ramo por primeira escolha, será que são bem tratadas, será que seus desejos são considerados? Será que seus corpos são respeitados? Será que isso te interessa ou você só quer gozar? Afinal, ninguém exigiu que elas estivessem ali. Trabalham com pornografia porque gostam. Não é?
Bom, as atrizes cujos nomes são reconhecidos, os rostos são valorizados além dos corpos e a carreira foi incentivada pelos estúdios, sim. Elas alcançaram o sucesso e são felizes. Na maioria das vezes, batem palmas para a indústria, admiram os estúdios, elogiam os produtores. Sim, elas tiveram experiências maravilhosas pois viraram estrelas. Mas e os corpos bonitos banais? Os peitos e bundas que, para muitos, são apenas peitos e bundas sem uma personagem por trás capaz de atrair fãs?
O documentário Hot Girls Wanted, já lançado na Netflix, expõe e analisa a indústria do pornô amador, os efeitos da sedução e da exploração da vida de jovens atrizes e as promessas feitas por produtores – igualmente amadores – sobre o futuro.
Cruel e dolorosa – pois você certamente já ignorou esses rostos, avaliou apenas seus corpos e, depois de cinco minutos, fechou a aba, os esqueceu – a exposição dessas garotas analisadas no documentário é quase indigesta.
A proposta dessa nova indústria é explorar o realismo, aquela velha história da “girl next door” elevada ao último patamar.
Os recrutadores não trabalham apenas com a sedução financeira, já que muitas garotas provém de famílias com uma boa qualidade de vida. Eles trabalham com o aspecto psicológico de emancipação feminina: “Você tem o poder” ou “Você é dona do seu próprio corpo”. Será mesmo?
As diretoras Jill Bauer e Ronna Gradus não trabalham com um tom moralista. Pelo contrário, elas usam a câmera para observar como funciona o recrutamento e, então, deixam o espectador decidir.
A crítica ao moralismo, inclusive, é realçada em uma das cenas onde uma das novas atrizes do pornô amador nos leva para sua festa de noivado: repleta de piadinhas e outros constrangimentos impostos pelos amigos, demonstrando claramente a hipocrisia de um grupo que consome pornô em larga escala, mas que trata o tema abertamente de maneira preconceituosa e superficial.
Depois do glamour, as garotas encaram o lado cruel daquele caminho. Doenças, degradação moral, práticas violentas e humilhantes cuja escolha das garotas em fazer parte é manipulada pelos produtores ou atores na mesma cena. Muitas vezes, aliás, suas vozes são ignoradas.
Essas garotas, cujo nome de estrela não chegou aos holofotes, cuja carreira não transcendeu o pornô, são descartadas. Como é ressaltado por um ator: “Elas têm, com sorte, um ano de ´vida útil´ na indústria”.
Assistir esse documentário é uma experiência dolorosa mas necessária. Entender e analisar comportamentos é uma atitude que todo ser humano deveria exercer para estudar o mundo em que vive.
Mas se você não se interessar, tudo bem. Fechar os olhos é uma atitude tão fácil quanto fechar a aba do navegador e lavar as mãos.
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