“Não diga que a vitória está perdida”

Hoje é dia da mulher. O Dia Internacional da Mulher. Dia IN-TER-NA-CIO-NAL da MULHER! Que eu sei que começou a ser comemorado desde 1975, quando foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como forma de relembrar a luta das mulheres que morreram numa fábrica, em Nova York, quando ousaram, em 1857, lutar por melhores […]

Colunista mostra o porquê o dia da mulher ainda não pode ser festejado

Hoje é dia da mulher. O Dia Internacional da Mulher. Dia IN-TER-NA-CIO-NAL da MULHER! Que eu sei que começou a ser comemorado desde 1975, quando foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como forma de relembrar a luta das mulheres que morreram numa fábrica, em Nova York, quando ousaram, em 1857, lutar por melhores condições de trabalho, equiparação de salários com os homens e tratamento digno no ambiente de trabalho. Mais do que isso, o 8 de março se tornou um símbolo de como as mulheres podem – e devem – lutar pelos seus direitos humanos, não somente no campo profissional, mas também – e com a mesma importância – na vida pessoal.

O problema é que eu me pergunto quanto realmente conseguimos mudar o mundo desde esse episódio em Nova York, ou desde episódios anteriores ou posteriores, menores ou maiores que esse. Podemos até ter mudado leis, termos passado a usar calças com a mesma propriedade que os homens, termos conquistado independência financeira e sexual. No entanto, sabemos que a Justiça por vezes falha, que as calças nem sempre trazem respeito, que os salários da mulher ainda são comparativamente menores e que a independência sexual cai por terra quando nos vemos controladas pelos pais dos nossos filhos.

>> Homem de Verdade não bate em mulher

A Onu define a violência contra a mulher como “qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada”. Perfeito na teoria. Na prática, no entanto, nós, mulheres, sabemos – ou deveríamos enxergar – que, a todo instante, engolimos sapos e passamos por humilhações (microscópicas ou gigantescas) ao baixarmos a cabeça para o controle exercido pelos homens com quem convivemos, seja por medo, por coerção ou por sequer notarmos a que tipo de privação estamos sujeitos por conta do modelo de sociedade no qual estamos inseridas.

No começo do ano, quando esperava por três horas para ser atendida na Delegacia de Proteção à Mulher, encontrei duas histórias (entre diversas) que me chocaram. Na primeira, uma jovem de 22 anos, casada no civil, com sua filha de 1 ano no colo, procurou a polícia porque o marido, da mesma idade, a proibia de entrar em sua própria casa, sequer para pegar roupas; na segunda, uma senhora de 68 anos procurava a polícia por causa de mais um episódio de agressão do marido, com quem convive há mais de 30 anos e que há 20 a ameaça todas as noites com uma faca. No primeiro caso, a moça ouviu que a polícia nada podia fazer. No segundo, a senhora ouviu que a polícia não tinha como protegê-la e que era necessário que, depois de aberto o inquérito de violência, ela esperasse entre seis meses a um ano para que o marido fosse levado a julgamento. Ou seja, fica “cada um por si”.

Em comum às duas histórias – e às outras que ouvi nesse dia – está o fato de que o homem controlador sente e sabe que o próprio sistema corrobora suas atitudes. Não importa se no Brasil, no Chile, nos Estados Unidos ou no Japão, de alguma forma, para mais ou para menos, o sistema civilizatório sempre corrobora punições – ainda que veladas – à mulher, deixando-a, por vezes, de mãos atadas quanto à sua própria defesa! Essa violência pode envolver desde pressão e chantagens psicológicas a ameaças de diversas naturezas, espancamentos e morte.

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Agora me diga você se não é comum encontrarmos histórias de amigas, primas, irmãs, mães que sofreram pressão para continuarem num relacionamento abusivo por conta dos filhos, ou que eram perseguidas por seus companheiros, humilhadas publicamente com agressões físicas e morais, obrigadas a manterem relações com seus “companheiros” com base no argumento –deles – de que é preciso que a mulher cumpra seu papel de… mulher. Sim. É bastante comum encontrar essas histórias. Quantas delas não são denunciadas? Quantas delas são abafadas por vergonha ou porque as mulheres se sentem privadas de defesa?

O mundo se chocou com a morte da estudante indiana de 23 anos vítima de ataque sexual dentro de um ônibus em Nova Déli, em dezembro do ano passado. Disseram que isso escancarou a violência de gênero na Índia e fez o mundo repensar os índices de violência em geral. Mas, ei, a violência só não estava escancarada para quem não queria ver! A morte dela ganhou grande repercussão na mídia internacional e protestos foram realizados, mas a violência está aí, a cada esquina, em cada apartamento, em cada cidade e de formas diversas. Com ou sem protestos.

No Brasil, por exemplo, a cada cinco minutos uma mulher é espancada. Cinco minutos! Mas não nos lembramos disso. Não lembramos até que algum fato da história seja intensificado: no caso da estudante indiana, ela foi estuprada por seis homens – que, inclusive, usaram uma barra de ferro (!!!) para violentá-la – dentro de um ônibus – um ÔNIBUS! A violência foi tanta que ela perdeu os intestinos – INTESTINOS -, não resistiu aos ferimentos e morreu.

A que ponto animalesco precisamos chegar para que algo seja feito?! Não algo que venham do poder público, mas alguma mínima consciência das pessoas de que não podemos nos ferir dessa maneira. Não, não nos ferir… Não podemos é admitir esse caráter animalesco, embora os animais não façam isso!
Como mãe eu me pergunto como é que as outras mães estão criando os seus filhos homens. Vejo que há uma infinidade de jovens bem sucedidos, com alto nível de escolaridade e bom nível social, que simplesmente reproduzem esse padrão de comportamento quando se sentem frustrados ou diminuídos num relacionamento, seja ele qual for, profissionalmente ou pessoalmente. Se esse padrão se repete tanto e entre classes sociais tão distintas, certamente não podemos dizer que esse domínio exercido pelo homem sobre sua companheira ou sobre outras mulheres advém de ignorância ou falta de estudo.

O que parece é que ele vem, sim, é da uma problemática sexista que ainda permeia nossas diretrizes de civilidade, tão embora já tenhamos deixado a Pré-História para trás há muito tempo. Esse é um problema global! Sempre que eu vejo um homem gritando com uma mulher, ou um homem tentado tirar, injustamente, os filhos de uma mãe, ou a violentando, é como se ele, dotado de seu porrete, a puxasse pelos cabelos e a largasse para fora da caverna sem qualquer tipo de respaldo ou direito, calcado no fato de que ele tem mais força que ela e, portanto, como ela há de revidar?

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Se há homens criados dessa maneira, é porque muitas mães admitem a reprodução desse padrão ou muitas vezes nem sequer o reconhecem. Não vemos que, como mães, temos o poder valiosíssimo de ensinarmos nossos pequenos homens a se tornarem grandes homens, respeitadores e de bem. Não consigo deixar de pensar que um homem dominador, um homem violento, certamente tem, por trás, uma mãe submissa ou omissa, que em vez de colocar limites ao filho, passou e passa mão na sua cabeça mesmo diante das atitudes mais nefastas de sua cria.

Por essas histórias que vemos tão perto de nós – às vezes até perto demais -, que lemos no jornal e assistimos na TV, é que acredito que o 8 de março não possa ser comemorado. Não, comemorações devem ser felizes. Essa data deve, antes de qualquer coisa, fazer com que as mulheres revejam, com senso crítico, as sujeiras que suportam diariamente, as privações que nos são impostas sem que saibamos e as humilhações que nos são direcionadas sem que possamos revidar.

Se queremos igualdade, não será pela cama na qual dormimos, nem pelas bebidas que consumimos no bar, ou porque passamos a frequentar o bar ou pela moda dandy ou boyish. Se de fato a queremos, é preciso rever o que deixamos que seja tirado de nós a cada dia porque ainda – AINDA! – existe aquela ideia ridícula e retrógrada do “sexo frágil”. E aos homens agressores, que a data sirva para que entendam e aceitem que intimidação e humilhação não são senão o seu ego gritando alto sua incapacidade de ser humano.

>> Texto colaborativo de Juliana Borba. Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, acredita que há homens de bem nesse mundo ainda machista e, como muitas mulheres, é vítima de pequenas e grandes violências, cotidianas ou não

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Colaboradores MHM
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