Seis poemas e poetas que todo homem deveria ler

Poesia é constância e firmeza. Não é coisa para homens de geleia.

Seis poemas e poetas que todo homem deveria ler

Poesia. Seis letras que para a maioria dos homens não significam muita coisa.

Mas a culpa não é inteiramente nossa. Afinal, desde cedo nos é vendido o engodo de que poesia poderia ser exemplificada como a expressão de sentimentos — em sua grande parte amorosos — unidos por uma linguagem açucarada mais ou menos rebuscada.

Bobagem. Fomos enganados.

E uma das possíveis razões pode ser encontrada no fato de que nossa literatura tenha surgido da influência de um tipo anacrônico de Romantismo, aquele movimento estético e político que atingiu a Europa no final do séc. XVIII e se estabeleceu dominante por quase metade do séc. XIX.

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Se antes copiávamos, pura e simplesmente, os modelos do Velho Continente, onde dialogávamos intimamente com os mitos gregos e sua estética classicista, o Romantismo desembarcou aqui em 1835 e não prometeu pouco: A ideia era fundar uma literatura genuinamente nacional.

Porém, ele foi absorvido por nós tardiamente e de segunda mão — muito mais francês que alemão e inglês, infelizmente — e as coisas fugiram bastante das diretrizes iniciais. E aqui tudo começou a desandar.

Enquanto o Romantismo europeu era multifacetado e plural, o Romantismo brasileiro era provinciano, deslocado e um tanto quanto anacrônico. Ao mesmo tempo em que se iniciava o processo de industrialização, falávamos de retornar às nossas identidades indígenas; aumentávamos a importação de escravos e fazíamos loas à liberdade; buscávamos um futuro para o país e falávamos de flores e morte.

E o mais importante: entre nós o Romantismo firmou-se como sinônimo de literatura confessional. Basta uma rápida consulta na literatura de então para perceber como essa influencia é sentida ainda hoje, onde o uso da primeira pessoa no singular é maciça.

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O problema, então, é antigo e consolidado. Mas não é incontornável – felizmente. É preciso fugir do senso-comum.

Poesia não se reduz a falar de amores não correspondidos. Poesia não é exprimir aquela nostalgia neurótica de imaginar o que já foi e não é mais. Poesia não é dizer coisas bonitinhas.

Ser poeta não é estar deslocado da realidade. Ser poeta não incorporar o tipo esquisito que usa roupas surradas e óculos démodè. Poesia não é tipo.

Poesia é aquela broca que nos afunda na realidade.

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O poeta é – como disse Ezra Pound – a “antena da raça”. Aquele que, imerso no mundo, nega o escapismo, o vácuo e a inutilidade das contingências que nos afastam da vida.

E nisso está a masculinidade da poesia: a assunção dos deveres quando não queremos dever algum. A poesia está na imposição da formação de nossa consciência quando estamos a viver na comodidade do rebanho. Poesia é a unidade entre o pensar e agir, entre idealizar e fazer.

Poesia é constância e firmeza. Não é coisa para homens de geleia. Confira abaixo seis poemas de seis poetas que todo homem deveria ler:

“Se”, de Rudyard Kipling (1865 – 1936)

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Se és capaz de manter tua calma, quando
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!

“George Gray”, de Edgard Lee Masters (1868 – 1950)

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Muitas vezes observei
a figura de mármore que esculpiram para mim:
um barco ancorado com as velas recolhidas.
Não representa a minha chegada a um porto de destino,
mas a minha existência.
Pois o amor foi-me oferecido e eu fugi dos seus enganos;
o desgosto bateu-me à porta, mas eu tive medo;
a ambição chamou por mim, mas eu receei a maré.
No entanto, sempre desejei dar um sentido à minha vida.
Agora sei que devemos erguer as velas
e tomar os ventos do destino
aonde quer que conduzam o barco.
Dar um sentido à nossa vida pode terminar em loucura,
mas uma vida sem sentido é um flagelo
de desassossego e de vago desejo –
é como um barco que suspira pelo mar e não se atreve.

“Ulisses”, de Lord Tennyson (1809 – 1892)

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Serve de pouco que, reinando em repouso
À lareira calma, por entre estes penhascos desertos,
Ao lado duma rainha velha, decida e passe
Leis injustas a uma raça de selvagens
Que poupam, e dormem, e comem, e não me conhecem.
Não posso descansar de viajar. Beberei
A vida até à última gota. Em todas as alturas muito
Me alegrei, muito sofri, tanto com aqueles
Que me amavam, e sozinho; na costa, e quando
Por correntes agrestes as Hyades chuvosas
Agitavam o mar ténue. Tornei-me no meu renome.
Pois vagueando sempre de coração faminto
Muito eu vi e conheci — cidades de homens
E costumes, climas, conselhos, governos,
E eu mesmo não por último, mas honrado por todos eles;
E bebi o êxtase da batalha com os meus pares
Lá longe nas planícies soantes da ventosa Ílion.
Sou parte de tudo quanto conheci;
Toda a experiência é todavia um arco por onde
Brilha aquele mundo por viajar, cuja margem se esbate
Para sempre e para sempre quando avanço.
Quão murcho é parar, chegar ao fim,
Enferrujar sem polimento, sem brilhar no uso!
Como se a vida fosse só respirar! Vida amontoada em vida
Não bastaria, e para alguém como eu
Muito pouco resta; mas cada hora é roubada
Àquele silêncio eterno, algo mais,
Portador de novos feitos; e tão vil que seria
Apenas para uns três sóis guardar-me e poupar-me.
E este espírito pálido, ardendo em desejo
De perseguir conhecimento como uma estrela cadente
Para além dos limites últimos do pensamento humano.

É este o meu filho, o meu fiel Telémaco,
A quem eu deixo o ceptro e a ilha —
É-me bem amado, e dedica-se bem
Às suas tarefas, para com cautelosa prudência suavizar
A gente rude, e com decretos gentis
Reduzi-los ao útil e ao bom.
É magnamente incensurável, focado na sua esfera
De deveres partilhados, decente o suficiente para não desapontar
Nos ofícios de ternura, e pagar
Justo respeito aos deuses do meu lar,
Quando estou ausente. É esse o seu trabalho, o meu é outro.

Ali jaz o porto, a nau rebate a vela;
Ali pairam os negros e largos mares. Os meus marinheiros,
Almas que se bateram, sofreram e pensaram comigo —
Que sempre com saudações alegres receberam
Quer trovões quer raios de sol, e se aguentaram
Com corações livres, livres frontes — eu e tu estamos velhos;
Tenha ainda a velhice alguma honra e serviço.
A morte encerra tudo; mas algo antes do fim,
Algum feito de notável memória pode ainda ser feito,
Algo digno de homens que se bateram com deuses.
As luzes já cintilam nos rochedos,
O longo dia põe-se, a lua lenta sobe, as profundezas
Gemem à volta com muitas vozes. Venham, meus amigos,
Não é tarde de mais ainda para perseguir um mundo mais novo!
Ao mar, e sentados em ordem remai
Contra os bancos de areia; pois o meu propósito
Impele-me a navegar para além do sol posto, e do mergulho
De todas as estrelas ocidentais, até morrer.
Pode muito bem ser que o golfo nos submerja no seu banho.
Ou pode muito bem ser que atinjamos as ilhas dos Bem-Aventurados
E vejamos o grande Aquiles, que em tempos conhecemos.

Embora muito esteja tomado, muito resta; e embora
Já não sejamos aquela força que nos velhos tempos
Moveu a terra e os céus, somos aquilo que somos —
Um disposição firme de corações heróicos,
Enfraquecidos pelo tempo e pelo fado, mas com forte vontade
De tentar, perseguir, encontrar e não desistir.

“Enquanto eu ponderava em silêncio”, de Walt Whitman (1819 – 1892)

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Enquanto eu ponderava em silêncio,
Retornando a poemas, considerando, vagarosamente,
Um Fantasma levantou-se perante a mim com um aspecto desconfiado.
Terrível em beleza, idade e poder,
O gênio dos poetas de terras antigas,
A mim dirigia-se com chamas em seus olhos.
Com seus dedos apontando a inúmeras canções imortais,
E, com uma voz ameaçadora, disse ele: – O que cantas?
Tu sabias que não existe nenhum outro tema para os bardos eternos?
Este tema é a guerra, a sorte das batalhas,
A produção de soldados perfeitos.

– Que seja, Eu respondi,
Eu também, Sombra altiva, canto a guerra, um canto longo e maior que qualquer outro,
Travada em meu livro com destinos que sempre variam,
com voo, avançando e recuando, vitória adiada e hesitada,
(Ainda parece-me certo, ou tão bom quanto certo, por fim,) no campo e o mundo,
Para vida e morte, para o corpo ou para a alma eterna,
Eis, eu também venho, cantando o canto das batalhas,
Eu, acima de todos, promovo bravos soldados.

“Invictus”, de William Ernest Henley (1849 – 1903)

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Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu – eterno e espesso,
A qualquer deus – se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei – e ainda trago
Minha cabeça – embora em sangue – ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda – eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

“Absolvição”, de Siegfried Sassoon (1886 – 1967)

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Da terra a angústia absolve-nos os olhos
Até que o belo brilhe no que vemos.
Nosso flagelo é a guerra, e fez-nos doutos,
Somos livres lutando para sê-lo.

Horror ao inimigo, aos ferimentos,
E perda do almejado, tudo passa.
A legião feliz somos, pois sabemos
Que o tempo é áureo sopro sobre a grama.

Se houve antes relutância em partirmos
Foi por querer da vida mais que o nada.
O que é do coração ora exigimos:
Que mais querer, irmãos, meus camaradas?

Texto escrito por Gvilherme Diniz. Amante das coisas simples e boas da vida. Não dispensa um Dry Martini. Uma alma analógica num mundo digital.

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