The Last of Us Parte 2 e como nós lidamos com o ódio

Continuação de Last of Us arrisca popularidade em troca de arriscar uma narrativa sombria e cheia de incômodos ao jogador

The Last of Us Parte 2 e como nós lidamos com o ódio

“O ódio, que pode destruir tantas coisas, nunca falhou em destruir a pessoa que odeia, e isso é uma lei imutável”. James Baldwin

Tentar pinçar um elemento que resuma a jornada de “Last of Us: Parte 2”, seria algo leviano, porém, entre os muitos assuntos abordados, o ódio talvez seja o principal.

O ódio é um sentimento poderoso que, ao longo da humanidade, gerou as mais diversas ações catastróficas. Foi a chama inicial de grupos armados matando seus semelhantes por questões ideológicas e alimentou o conflito de famílias que se odiaram por gerações, sem conseguir traçar a origem de suas desavenças.

Nada de bom surge do ódio. Nada de bom floresce no ódio. Todo tipo de horror faz sentido na lógica perturbada do ódio. Uma mãe ataca um filho e vê razão em seus atos. Não há espaço para o amor, para o sossego, nem para a paz em uma mente contaminada por ódio.

Um dos principais efeitos do ódio, é a coisificação do outro. Vemos o alvo de nossa fúria como um objeto, algo que deve ser destruído. No novo jogo da Naughty Dog, somos apresentados às consequências das mentes e corações contaminados pelo ódio e a busca por vingança.

O inimigo está dentro de nós

A história começa poucos anos depois do final do primeiro jogo. Joel e Ellie vivem uma vida pacífica em uma pequena comunidade até que uma ponta solta do passado ressurge para acabar com a tranquilidade local. Cabe então à garota, agora com 19 anos, partir em uma jornada atrás de vingança por aqui que lhe foi tomado.

Mesmo com os vazamentos de gameplay que rolaram há poucos meses, a divulgação de Last of Us: Parte 2 fez um trabalho muito bom em esconder sobre o que realmente se tratava o jogo e, principalmente, sobre quem seriam seus protagonistas.

Ao contrário do primeiro, que se passa ao longo de quatro estações de um ano, aqui boa parte da história ocorre durante três dias na cidade de Seatlle, local dividido por um confronto entre dois grupos armados. Mesmo em um curto período, somos apresentados aos mais diversos personagens e o papel que desempenham dentro daquele conflito.

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Constantemente subvertendo expectativas, a produção parece ter certo prazer em brincar com o que o jogador espera que aconteça ao longo das muitas horas em que ficará jogando.

Um exemplo: O personagem pode ser atacado em uma bancada ao tentar cuidar de suas armas caso não tenha checado se o local onde está é seguro. Uma coisa simples, mas que faz com que você sinta que não não pode mais abaixar a guarda em nenhum ambiente, mesmo onde parece ser uma sala segura.

Outro ponto alto é que inimigos (humanos e infectados) podem ser tão silenciosos quanto o personagem que você controle, fazendo com que o papel de caça e caçador fique alternando ao longo das diversas arenas de batalhas ao longo do jogo. Inimigos chegam a surgir literalmente das paredes para te pegar desprevenido.

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Alguns lugares seguros se tornam palco de grandes batalhas e algumas arenas se mostram zonas pacíficas para exploração. A tensão constante exige o máximo de concentração tornando impossível de experinciar o jogo sem a devida atenção necessária.

Já na história, quando tudo parece estar sendo concluído, somos convidados a entender os elementos principais que assombram aqueles personagens sobre uma nova perspectiva. O que pode “assustar” muitos jogadores ao oferecer muito mais horas de história do que você poderia esperar e uma perspectiva de jogo difícil de encarar.

Um jogo de espelhos

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Muitos elementos de “Last of Us: Parte 2” apresentados assemelham-se a uma tragédia grega. A tragédia clássica latina (influenciada pela comédia nova grega) apresentava o prólogo (exposição inicial), os episódios (os atos que constituíam a intriga) e o êxodo (desfecho); mesma forma na qual a longa narrativa é dividida.

Personagens lutam contra um destino que lhes é apresentado enquanto caminham em passos largos rumo a catástrofe. Enquanto luta por vingança, Ellie caminha para o centro de uma tempestade maior do que talvez possa encarar.

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Além da tragédia, outro elemento recorrente usado na narrativa é o espelhamento.

Ao chegar em Seattle, somos apresentados ao Washington Liberation Front, uma milícia que surgiu para combater a atuação do exército norte-americano na cidade logo após o surgimento dos infectados. Nos dias de hoje, o grupo enfrenta problemas com os Serafitas, um grupo religioso que surgiu como respostas as atitudes dos milicianos na cidade.

Esse é apenas um exemplo dos muitos fáceis de sacar ao longo do jogo, mas a tática de mostrar como acontecimentos parecidos podem gerar resultados parecidos, mesmo em contextos diferentes, é usado em exaustão aqui. Principalmente quando alimentados pelo ódio e a necessidade de vingança.

O que sobrou de nós

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Em entrevista, o diretor da sequência, Neil Druckmann afirmou: “‘The Last of Us” é sobre personagens com defeitos, que acreditam estar certos, acreditam ser justos, pois é assim que as pessoas são. Ninguém acha que é o vilão. O herói é questão de perspectiva”.

Para chegar ao final da história, somos obrigados a tomar atitudes que não gostaríamos. Pequenos atos como matar um inimigo e ter que ouvir um aliado dele gritando de desespero pela perda do amigo; matar cachorros que farejam e atacam o jogador constantemente e – talvez o mais difícil – ouvir o outro lado de uma história.

Muito caminho foi percorrido na indústria dos games para conseguirmos ter um jogo onde o certo e o errado podem ser discutidos de maneira tão visceral. Em narrativa e gameplay.

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Longe de ser um produto perfeito, “The Last of Us: Parte 2” vai te fazer querer conversar com outras pessoas que terminaram o jogo sobre o que acharam da experiência.

Vai te fazer gostar de personagens que odiava e questionar seu amor por outros que deveriam ser queridos. Mesmo um pouco inflado – o epílogo se mostra um pouco cansativo de jogar – é um produto imersivo que oferece uma experiência narrativa acima da média que estamos acostumados.

Você pode odiar o final, odiar os personagens, odiar a representatividade, odiar o rumo das histórias contadas aqui, mas ódio nenhum no mundo será capaz de calar o óbvio: The Last of Us Parte 2 é videogames feito em sua melhor maneira. Cabe a você aprender a lidar com seu ódio.

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Edson Castro
Edson Castro

Jornalista, ilustrador, apaixonado pela vida e por viver aventuras. Coleciona HQs, tênis e boas histórias para contar.

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