Quando o mercado de cervejas artesanais ainda nem existia e os únicos tipos consumidos no Brasil eram a clássica pilsen ou a escura bock, ela resolveu se especializar na área e adotar o assunto como hobbie e profissão.
Quase 20 anos depois, Cilene Saorin transita sem hesitar pelos 120 estilos da bebida e já teve em suas mãos mais de 5 mil rótulos diferentes do fermentado. Agora, colhe os frutos de seu pioneirismo e, com o título de mestre-cervejeira, sommelier e representante da academia Doemens (Alemanha), organiza e ministra cursos sobre o tema, tudo com o objetivo de oferecer aos consumidores a possibilidade de aproveitarem melhor a sensação que o blend pode transmitir.
Foi de olho nesse pioneirismo que resolvemos bater um papo com a mulher que domina, como ninguém, esse universo masculino. De quebra, ela ainda indicou rótulos para quem quiser iniciar no mundo das cervejas. Confira!
Quando foi sua primeira experiência com cerveja?
A primeira foi aos 14 anos, roubei uma Antártica do meu pai e ele não gostou muito. Só chegou e falou pra mim. “Um gole só!”. No primeiro, olhei para a cara dele e pensei: “Meu Deus, como você consegue beber um negócio tão amargo assim?”.
É curioso é que agente rejeita por instinto, mas na medida em que vamos sendo apresentado a bons amargores, vamos entendendo que esse atributo é essencial para o equilíbrio e prazer de muitos alimentos, inclusive a cerveja. Hoje eu tomo essas cervejas com baita potência de lúpulo achando lindo.
Quando você resolveu se entregar de vez a cerveja?
De alguma forma a cerveja entrou em mim e não fui eu que entrou na cerveja. Estava no quarto ano de engenharia de alimentos, em outubro de 92, e tinha um gosto particular em tecnologia de fermentações. Rolou uma proposta de estágio da cervejaria Brahma em Guarulhos, São Paulo, e fiz a inscrição com mais uns 200 candidatos. Acredito que o meu interesse em tecnologia de fermentação somado ao meu empenho em fazer a tal da entrevista foram responsáveis por conseguir a vaga. Daí para adiante a paixão só aumentou, junto com a curiosidade. Depois disso nunca mais sair da área.
De certa forma você domina uma área que popularmente é conhecida por ser um assunto das rodas masculinas. Você já sofreu preconceito com isso?
Estou completando 20 anos de carreira e, de uma maneira geral, os 10 primeiros anos dela eu consigo pontuar alguns rompantes preconceituosos e, ainda que tenha sido muito desagradável ouvir esse tipo de coisa, eles de alguma forma aconteceram me ajudando ir adiante. Agora, o que de alguma forma nos primeiros anos da minha carreira foi tomado como desvantagem por ser mulher, pelos últimos anos virou uma vantagem e até um diferencial. O que levo disso é se você encontra na sua vida qualquer obstáculo, tente enxergar como desvantagem e vire o jogo.
Qual a frequência que você consome cerveja?
Posso falar que tomo todo dia, mas é o tal do menos e melhor. Se eu me aventurasse a tomar cerveja como eu tomava aos 20 anos na festa da galera de engenharia, eu morreria. Imagina a quantidade de cervejas que você tomava aos 18 anos e a que você consome hoje para ter prazer? O seu corpo perde um redesenho de dinâmica de consumo, o corpo pede menos álcool, porque você tem menos capacidade de assimilação, isso é fisiológico, científico, não é teoria filosófica não. Ao mesmo tempo em que seu corpo pede menos álcool, com a idade você adquire mais vivência, tem a chance de ter mais acesso a informação, mais poder aquisitivo, isso faz com que você peça mais e busque mais por determinadas coisas que você descobre que te dão um ‘puta prazer’.
Podemos dizer então que essa maturidade não é só um atributo dos relacionamentos?
Fazendo uma analogia com o comportamento das pessoas, quanto se tem 18/19 anos, o prazer é ir para a balada, beber à vontade e beijar meia dúzia de bocas. Chegando próximo aos trinta, o cara ou a menina solteira começa a achar mais interessante encontrar uma pessoa para a noite inteira, bebendo e comendo muito menos e com muito mais critério. Isso é uma mudança natural, irreversível. Com a bebida também é assim.
A cerveja artesanal cresce no mercado e nos bares brasileiros, com rótulos importados e de microcervejarias. O objetivo dos seus cursos é oferecer essa nova experiência?
Nas entrelinhas, a proposta é não se perder uma coisa que a cada vez mais as pessoas buscam, que é a maturidade gastronômica. Não quero sentar para gastar R$ 50 sem saber o que estou comendo e bebendo, só pra encher a barriga e dar “maresias” aos olhos. Estamos como país, amadurecendo, crescendo e envelhecendo.
Teve alguma cerveja que não tomou?
Várias, desde as mais populares até as mais raras e inusitadas. Para falar de cervejas populares, mas com caráter muito próprio, degustei muito poucas da Ásia. Nunca visitei e tem muitas cervejas populares dessa região que eu gostaria muito de conhecer. Isso me ajudaria visitando e vivendo aquela região, conhecendo o seu povo, conhecendo melhor seus gostos e o porquê daquelas características e caráter das cervejas populares daquela região.
Pra falar de cervejas especiais e com uma pegada mais elegante, na Nova Zelândia existe a cerveja James Squire e essa cervejaria eu conheci da Alemanha no ano passado o cervejeiro de lá que me apresentou o portfólio. Eu fiquei alucinada, achei extremamente interessante, mas que dificilmente é exportada, muito menos para o Brasil, que é do outro lado do mundo, porque eles têm um baita cuidado com a qualidade sensorial do produto.
Tem por costume tomar outra bebida alcoólica?
Como trabalho centenas de cerveja e degusto muito, obviamente que nem sempre estou afim delas, porque de alguma forma às vezes remete ao trabalho e você está a fim de relaxar não pensando em trabalho. Ai eu parto para outras bebidas. Não tenho muita resistência a destilados, raramente tomo drinks e coquetéis. Duas outras bebidas que eu costumo tomar quando estou a fim de relaxar são os vinhos e whiskys.
Tem um estilo ou mesmo rótulo de cerveja que você tenha um pouco mais de afinidade?
Costumo responder essa pergunta inspirada por um designer Philippe Starck, que fez todo o designer externo e de interiores do Fasano Rio. Um tempo atrás ele deu uma entrevista e uma das perguntas era sobre se ele tinha um traço de designer preferido. Ele disse que estavam perguntando uma questão impossível de responder, porque seria como perguntar para um pintor a cor preferida ou para um escritor qual a letra preferida. É impossível porque a graça e o conteúdo se dão pelo conjunto das cores, das letras e coisas juntas. Na minha área, não dá pra falar de um estilo só, de uma nota sensorial, corpo, aroma, sabor e sensação de boca único que agrada, é o conjunto da obra que agrada. O que me agrada são os vários estilos e as várias pegadas.
Confira os rótulos indicados por Cilene Saorin
– Para começar com as cervejas pilsen, um estilo que ganhou fama no Brasil, a dica é a cerveja alemã Krombacher Pils (German Pilsner) ou o rótulo da República Checa Pilsner Urquell (Bohemian Pilsener).
– Para ganhar um pouco mais de corpo, sem perder a refrescância, a cerveja da Baviera Paulaner (Weissbier), com notas de cravo e banana e a versão de trigo belga Hoegaarden (Witbier)
– Partindo agora para os estilos que saem deste conceito de refrescância e oferecem como protagonista o lúpulo, a Meantime India Pale Ale, com terroir de lúpulos ingleses. Para fazer um paralelo de lúpulos com o novo mundo, a norte-americana a Brooklin India Pale Ale.
– Com os maltes tostados como protagonistas, a Fullers London Porter é o estilo clássico da Inglaterra, com sabor intenso, notas de chocolate e café.
– O último que indicaria é um estilo com sabor inusitado, que são as Fruit Lanmbics, cervejas fermentadas espontaneamente que recebem frutas maceradas, normalmente associadas a cervejas de sobremesas. Um exemplo dessas é a Lindemans Franboise (uma cerveja que lembra espumante, com forte aroma e sabor de framboesa).
– Lembrando que todos os estilos têm um rótulo produzido nacional o que garantem a viabilidade para quem não está tão disposto a gastar com cerveja importada.
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