O dia que vi um 2 a 0 sem gols no Castelão

Julho de 2005. De férias do colégio, parti rumo a Fortaleza com minha mãe para passarmos uma semana na capital cearense. Um grupo de amigos também foi para lá na mesma data e o encontro com eles, portanto, estava mais do que marcado. Só que naquela época, no auge da adolescência, eu estava sofrendo intensamente […]

Julho de 2005. De férias do colégio, parti rumo a Fortaleza com minha mãe para passarmos uma semana na capital cearense. Um grupo de amigos também foi para lá na mesma data e o encontro com eles, portanto, estava mais do que marcado. Só que naquela época, no auge da adolescência, eu estava sofrendo intensamente dessa doença chamada futebol. Ou seja: a camisa do Fortaleza e um jogo no Castelão eram prioridades maiores que qualquer praia que conheceria nessa viagem. Meu encontro mesmo era com a bola.

Fui um dia ao shopping, comprei a tal camisa tricolor e consegui convencer mamãe de que TERÍAMOS que ir ao estádio. O “clássico” Fortaleza x Juventude, naquela época ainda pela Série A do Brasileirão, nos esperava em uma quarta-feira na qual o roteiro fora pautado pela tabela do Nacional e o horário da partida. Pegamos o táxi, andamos um bocado e fomos em direção ao Plácido Castelo. Não preciso nem dizer que estava mais ansioso que minha mãe.

Chegamos no Castelão e já deixamos combinado com o taxista o local em que ele nos buscaria. Próximo passo: comprar o ingresso. E aí começa a epopeia pelo gol que eu não vi. Queria porque queria ir na arquibancada. Torcidas cearenses, pela TV, sempre chamaram a minha atenção. Pulam, cantam, estendem faixas e bandeirões, um espetáculo fenomenal. Eu tinha até decorado umas músicas da torcida do Fortaleza pra cantar no estádio (qual o adolescente bobo que nunca ficou horas na internet ouvindo essas músicas de estádio, até de outras torcidas?).

Mas mamãe dizia que era melhor ir na cadeira. Pagaríamos um pouco mais caro, só que estaríamos protegidos de uma eventual chuva, seria mais tranquilo e tudo mais. Ela tinha razão naquele dia. Mas eu queria ir de arquibancada “pra sentir mais emoção”, diria o Neguinho da Beija-Flor. Entramos na fila para a popular e nosso guichê fechou. Então, todos os que estavam à minha frente imediatamente afunilaram na fila ao lado. O guichê dessa fila ao lado também fechou. Enquanto isso, o relógio corria, eu estava sem ingresso e o jogo iria começar em alguns poucos minutos. Três filas em um guichê, um calor do cão e nada de chegarmos perto do tal guichê que ainda estava funcionando. Pra falar a verdade, a ver pela cara da minha mãe, estávamos mais perto de voltar pro hotel do que de qualquer outra coisa.

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Fiquei nervoso e me rendi às cadeiras, aqueles assentos que eu sempre abominei e continuo abominando. Por quê? Porque só gente chata e coxinha assiste a jogo nas cadeiras. Futebol é lá em cima, onde toma tapa e grito na orelha quem senta, e não o contrário. Demos a volta em um Castelão que estava pra lá de longe do padrão FIFA e, antes de chegar na bilheteria das cobertas… GOOOOOOOOOOL! Era a torcida do Fortaleza comemorando o primeiro gol, marcado pelo intrépido Mazinho Lima. Fiquei mais puto ainda, com mais pressa. Compramos os ingressos das cadeiras. Entramos no Castelão.

Só que a vontade de fazer xixi, por conta de toda a espera e o ocorrido do lado de fora, passava do normal. Primeira coisa que fiz antes de me dirigir ao setor foi achar um banheiro e descarregar a alma em urina. Mamãe, claro, estava me esperando. GOOOOOOOOOOOL! O segundo do Fortaleza. Fatalmente mijei fora da privada. E não era para menos. A impressão que eu tive da cabine do banheiro era de que o estádio estava prestes a cair sobre a minha cabeça. Rinaldo, que no meu imaginário nunca jogou por outro clube que não o Fortaleza, marcava o segundo do Tricolor. E eu lá, fechando o zíper da calça.

Jogo movimentado, dois gols que eu não vi. Obviamente que a esperança era de um duelo ainda mais aberto e com mais gols. Afinal, eu tinha saído de São Paulo e consegui arrastar minha mãe pro Castelão numa quarta-feira à noite em Fortaleza. Eu precisava ver um gol. Lembro da bola correr a linha em um lance, quase aproveitado por Rinaldo para anotar o terceiro. Sendo bem sincero, não sei se esse lance realmente aconteceu ou, na minha mente, eu queria que ele tivesse acontecido e, por esse peculiar motivo, eu me lembre dele assim. Fato é que podia ter sido mais. O Fortaleza foi bem superior. Mas o jogo acabou no 2 a 0. Nunca na vida fiquei tão chateado por me livrar da vontade de fazer xixi. Naquele dia, eu preferia ter feito nas calças ao invés de perder qualquer gol e, consequentemente, a festa de uma torcida cearense (apesar que não haviam mais do que 15 mil pagantes para esse jogo).

E era um jogo com personagens fantásticos, algo que só fui me dar conta tempos depois. Bosco, Ronaldo Angelim, Fumagalli, Paulo Isidoro e Clodoaldo pelo Fortaleza, comandado por Hélio dos Anjos. Doni, Zé Carlos, Caíco, Enílton e Túlio Maravilha (ele mesmo!) pelo Juventude, treinado por Dorival Júnior. Baita jogo, baita estádio e baita experiência, ainda que eu não tenha visto o principal, o propósito pelo qual os pouco mais de 13 mil cearenses – e dois paulistas – foram ao Castelão.

Lembrei disso esses dias pelo fato de o Brasil jogar nesta terça-feira no Plácido Castelo. Um Castelão que agora mais parece um hotel de luxo ou um shopping, que não tem mais o filé miau na porta, que não deverá ter um Fortaleza x Juventude pela Série A do Brasileirão por mais um bom tempo. Mas que segue escrevendo sua história, que segue dando aos seus torcedores lembranças inesquecíveis mesmo quando eles não veem um gol.

Se eu pudesse dizer algo aos brasileiros e mexicanos que lá estarão para a Copa do Mundo, eu diria o seguinte: mijem bastante antes de sair de casa. Mijem tudo, até o que não existe. Para não perderem o mínimo detalhe de uma festa que promete. Não mais do que o meu Fortaleza x Juventude de 27 de julho de 2005. Mas promete.

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Bruno Rodrigues
Bruno Rodrigues

Paulistano, louco por futebol e jornalista. Necessariamente nessa ordem porque esse sou eu.

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