Beijo do Sheik e a luta contra o preconceito no esporte

Talvez nunca tenha acontecido de, em um mesmo final de semana, um gesto simples, como um beijo, ter causado diferentes repercussões. O primeiro foi dado pelas russas de uma equipe de revezamento, após a conquista do ouro, Campeonato Mundial de Moscou. A ideia era protestar contra a lei anti-gay que acabara de ser aprovada no […]

O Futebol já parou uma guerra, mas não consegue viver sem o preconceito

Talvez nunca tenha acontecido de, em um mesmo final de semana, um gesto simples, como um beijo, ter causado diferentes repercussões.

O primeiro foi dado pelas russas de uma equipe de revezamento, após a conquista do ouro, Campeonato Mundial de Moscou. A ideia era protestar contra a lei anti-gay que acabara de ser aprovada no país e que restringia o poder de manifestação das pessoas com orientações homossexuais ou, como eles mesmo dizem, relações sexuais não tradicionais praticadas por uma minoria.

O segundo gesto foi uma foto publicada no instagram do jogador corintiano Emerson Sheik, em que ele dá um selinho no seu amigo Isaac Azar, dono do restaurante Paris 6, depois da vitória contra o Coritiba. Consciente da repercussão que o gesto poderia ter, o atleta declarou na própria foto.

“Tem que ser muito valente para celebrar a amizade sem medo do que os preconceituosos vão dizer. Tem que ser muito livre para comemorar uma vitória assim, de cara limpa, com um amigo que te apoia sempre. Hoje é um dia especial. Vencemos, estamos mais perto dos líderes. É dia de comemorar no melhor restaurante de São Paulo, o Paris 6, com o melhor amigo do mundo, Issac. Ah, já ia me esquecer, para você que pensou em fazer piadinha boba com a foto, da uma pesquisada no meu Instagram todo antes, só para não ter dúvida”, escreveu o atacante.

Enquanto na Rússia rola protesto…
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O caso das russas rolou uma comoção mundial, a imprensa internacional deu uma super exposição ao fato, conversou com autoridades do país, as atletas e tudo mais. Alguns outros atletas que participaram do Mundial, no entanto, foram enfáticos nas críticas à lei. O norte-americano Nick Symmonds dedicou sua medalha de prata nos 800m aos seus amigos gays e lésbicas, em resposta à russa Yelena Isinbayeva, que deu uma entrevista apoiando a norma.

Duas atletas da Suécia também pintaram suas unhas com as cores do arco-íris, representando a bandeira gay. A Federação Internacional de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) classificou o ato como “mensagem política” e só deixou uma delas competir depois de mudar as cores da unha.

…Por aqui isso é coisa de ‘bicha’
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Bastou a imagem ser jogada no ar e uma avalanche de críticas, comentários, piadas e xingamentos aparecerem na internet. O clube não se manifestou e membros da torcida organizada Camisa 12 (corintiana) improvisaram faixas, pedindo retratação do jogador herói da Libertadores de 2012.

“A nação inteira está freneticamente indignada. Pode até ser a opção dele, mas nós estamos sempre tirando sarro dos ‘bambis’ (modo pejorativo com o qual é chamada a torcida do São Paulo). O mínimo que ele tem de fazer é um pedido de desculpas”, disse Marco Antônio, membro da diretoria da Camisa 12.

A coisa ainda ganhou um tom ameaçador. “A gente não quer ser homofóbico, mas tem de ter respeito com a camisa do Corinthians. Aqui não vai ficar beijando homem. Hoje são 5, amanhã são 30 e depois 300. Vamos fazer a vida dele um inferno”, disse Marco Antônio.

No dia seguinte da publicação da foto, o atleta foi no programa Donos Da Bola, da Bandeirantes, como se precisasse justificar o ocorrido. Ele definiu quem tratou o assunto de maneira negativa. “Acho que é um preconceito babaca. Respeito aos comentários do torcedor. Não estou chamando ninguém de babaca. Mas falar que o esse preconceito é babaca. Tenho fotos beijando os meus filhos e ninguém falou nada. A Hebe beijava todo mundo”, declarou.

A história foi bem feliz desta vez e quis que a atitude foda de um atleta contra a homofobia viesse de um corintiano.

Futebol brasileiro, terra onde o preconceito ainda existe
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Garanto a você que muitos dos que compartilharam a atitude vanguardista das russas, foram os mesmos que incitaram piadas sobre o jogador corintiano, por ter beijado um homem. Pois, julgar outra cultura é muito mais fácil do que tentar rever os preconceitos que você ainda conserva.

O futebol até conseguiu reduzir bastante o preconceito em relação a etnia, cor de pele e religião, porém, quando a questão envolve a opção sexual, a coisa parece que nem engatinha ainda aqui no Brasil.

A intolerância é tamanha que faz com que um torcedor execre o jogador que fora herói de um dos maiores títulos do clube. Mas isso não é privilégio dos corintianos, pois rivais têm a mesma atitude.

O São Paulo, que conquistou o título de bambi dos adversários, já criticou o jogador Richarlyson por seus gostos metrossexuais e orientação ‘duvidosa’. Em dias de jogo em que o atleta atuava, a própria torcida xingava em coro.

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Após um dirigente palmeirense afirmar que o atleta era gay, Richarlyson precisou ir ao Fantástico e negar o fato, assim como políticos corruptos ou procurados pela justiça negam as acusações perante o jurí.

O Palmeiras também já foi alvo de polêmica, quando Leandro Amaro e Ronny brincaram de dar um selinho no meio do treino. O ato foi alvo de piadas dos outros torcedores.

Pare é pense: O futebol que já fez uma guerra na África ser interrompida, porque não pode acabar com todo o tipo de preconceito?

O que queremos com tudo isso?
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Os atos das russas e do Emerson Sheik são louváveis em igual proporção. O que precisamos é deixar nossa hipocrisia de lado e trabalhar alguns conceitos arcaicos e machistas que permeiam nossa criação.

Pense bem antes de julgar um atleta, um amigo ou mesmo um colega de trabalho por sua orientação sexual. O fato de ser hétero, gay não vai influenciar no seu rendimento em campo, no quão confiável ou profissional a pessoa é.

Somos seres humanos e, como tais, feitos de evolução. Criticar o outro simplesmente pela sua opção sexual é tão retrógrado quanto continuar afirmando que a terra é quadrada.

Deixo aqui, no final, um trecho de um discurso de Martin Luther King que fala do racismo, mas que seria bem cabível para essa questão do preconceito sexual. “Eu tenho um sonho… de que um dia viverão numa nação onde eles não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela essência do seu caráter.” (1963). Sem mais.

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Leonardo Filomeno
Leonardo Filomeno

Jornalista, Sommelier de Cervejas, fã de esportes e um camarada que vive dando pitacos na vida alheia

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